"Quem já bordou ou teve alguém na família que bordou, sabe dar valor a isto, mas os que nunca bordaram não dão valor", disse à agência Lusa Lídia Pontes, uma bordadeira já reformada, residente no concelho da Ponta do Sol (zona oeste da Madeira).
Como tantas mulheres da sua geração, ela começou a bordar em criança, mal terminou a terceira classe.
"Naquele tempo, as raparigas bordavam para o mealheiro, para depois partir para comprar o dote. Todo o mundo quando se casava já tinha uma mala cheia de lençóis e colchas e cobertores e tudo o que era preciso para a mulher. E era tudo à conta dos bordados", explicou.
Lídia Pontes costuma deslocar-se amiúde ao antigo moinho de água do sítio da Lombada, que foi recuperado pela autarquia local e serve agora de "atelier", sob a responsabilidade de Maria Ganança, já com 71 anos, que ganhou fama na região como bordadeira exímia e também como dirigente sindical do setor.
"Comecei a bordar com uns 10 anos e mesmo antes de acabar a escola já fazia granitos e ponto de corda", contou, vincando que antigamente todo o dinheiro com que as mulheres podiam contar provinha dos bordados, pelo que ficavam a puxar linhas pela noite dentro até de madrugada.
A origem do bordado Madeira remonta ao início do povoamento da ilha, no século XV, mas produto só ganhou fama internacional no século XIX, quando o número de bordadeiras terá atingido 70 mil.
Na década de 80 do século passado, havia ainda mais de 30 mil bordadeiras na região autónoma, mas atualmente o Instituto do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira (IVBAM) tem registo de apenas três mil, sendo que o produto é exportado sobretudo para os Estados Unidos, Itália e Inglaterra.
"Isto já foi uma indústria bastante grande, mas agora está de arrastos", disse Maria Ganança, que, no entanto, insiste em ensinar "de graça" a arte de bordar, porque tem "pavor" que o bordado acabe, mas também "esperança" de que um dia ele renasça.
As três mulheres que estavam com ela no moinho concordaram, mas dizem-se conscientes de que as novas gerações não mostram interesse pela arte, feita à custa de muito ponto de corda, caseado, bastido, pesponto, "richelieu", ponto francês, granitos e outros.
"Já em pequenas, as minhas filhas faziam tudo para não bordar", disse Lídia Pontes, lembrando, por outro lado, as doenças associadas à atividade, sobretudo relacionadas com a coluna, a visão e as artroses, pelo que "é mais fácil passar o dedo no telemóvel do que na agulha".
No velho moinho da Lombada, os dias correm quase como nos tempos áureos do bordado Madeira, quando as mulheres se juntavam no quintal e ficavam horas a puxar linhas sobre tecidos de linho, seda, algodão ou organdi, de onde resultavam peças requintadas, como toalhas de mesa, vestidos, camisas, jogos de banho, lençóis e lenços que continuam a correr mundo.
LUSA