“Alguns acabam por ter mais amor a isto do que a estarem integrados numa instituição ou em casa sem fazer nada. Acredito que para muitos isto é um descarrego, um momento de respirar, de deixar o corpo libertar e fluir, deixar ir, é um momento muito bonito. Sair das limitações impostas por terceiros e sair da zona de conforto também”, defendeu Telmo Ferreira.
Este bailarino madeirense integra há 18 anos o primeiro projeto em Portugal do Dançando com a Diferença que estendeu o seu primeiro núcleo desde a ilha da Madeira até Viseu, em setembro de 2017, depois de terem conquistado elementos para a realização de alguns projetos na cidade.
“Em 2017, pensámos em pegar nesse núcleo duro e começar a trabalhar mais na área da dança e torná-los mais artistas e tivemos vários ‘workshops’ com artistas convidados, além das aulas regulares e trabalhámos sempre estas ferramentas que nos dariam o trabalho da apresentação com mais qualidade e exigência”, explicou o coordenador.
Ricardo Meireles conta que, um ano depois, o grupo, que inicialmente tinha 27 elementos e já conta com 40, agarrou o desafio de remontar a peça “Endless”, um espetáculo do coreógrafo Henrique Amoedo, que está na génese do projeto.
“No fundo, estamos a trabalhar uma coreografia que é uma reinterpretação com uma peça que foi feita por outras pessoas e agora, com os nossos corpos, vamos tentar interpretar a ideia proposta pelo Henrique (Amoedo), e o trabalho foi sempre focado e orientado nesse sentido”, acrescentou Ricardo Meireles.
Em cima do palco apresentam-se 40 intérpretes do Dançando com a Diferença de Viseu, três intérpretes da Madeira, um do Brasil e quatro músicos que vão reviver o Holocausto, não a querer ser história, mas a fazê-lo de uma forma cronológica, a obrigar a olhar para essa realidade.
“Como posso olhar para o que aconteceu no Holocasto e posso repensar o meu dia-a-dia? É a principal mensagem do ‘Endless’, que nasceu em 2012, mas à medida que o tempo passa fica mais atual e temos cada vez mais a necessidade de repensar o nosso presente”, desafiou Henrique Amoedo.
O coreógrafo fez a analogia com “a questão dos refugiados, por exemplo, como é que a circulação das pessoas em diferentes países e como é que ela corre” e também com “os venezuelanos, a situação que acontece atualmente do enorme número migratório que tenta entrar nos Estados Unidos” da América.
“A gente pode olhar para diversas questões muito parecidas na Europa que às vezes fingimos muito que não acontecem e finge que não está a ver”, apontou o coreógrafo que acusou que a “questão da inclusão, ou a união dos povos, não será muito verdadeira, porque cada vez parece que é mais distante, cada vez parece que se erguem mais muros que separam todo o mundo”.
A proposta de Henrique Amoedo “é mesmo essa, olhar para trás e pensar se as pessoas são assim tão abertas, se a Europa não tem fronteiras de jeito nenhum” e o Holocausto, no seu entender, “faz pensar não só na Europa mas o mundo como um todo”.
Uma carga sentimental que sai do palco, até porque “este espetáculo envolve uma introspeção que faz repensar no passado”, considerou a bailarina Sara Dias, que acredita que assim “é possível repensar e planear o futuro, porque foi num passado não tão distante que cometeram estas atrocidades com seres humanos semelhantes a todos nós”.
O espetáculo, porém, não trata só a carga emocional, trata também do corpo, do aspeto físico e, neste sentido, Sara Dias assumiu que ultrapassou “vários limites, sobretudo relacionados com aptidões físicas da dança” que, apesar de sempre ter sonhado dançar, nunca pensou que poderia experimenta.
“De facto este projeto demonstra que com trabalho e acreditando conseguimos ultrapassar limites que na verdade não são assim tão limitativos, são limites que nós imaginamos, mas que depois vimos que conseguimos ultrapassar”, disse.
Assim como Jorge Lopes, que assumiu a “ansiedade normal de qualquer bailarino” antes de entrar em palco e “talvez também ainda falte aperfeiçoar um bocadinho mais a técnica”, acrescentou assumindo, de imediato, que “talvez sejam dúvidas normais da vida de dançarino”.
“Todos os problemas que eu tive com a minha deficiência, que é autismo, e todos os problemas que tive quando cheguei, foram praticamente resolvidos, porque passei a ter um grande convívio com os colegas, passei a aprender a saber o que é ser dançarino de verdade e passei a perceber o quanto custa dançarmos, não só ter dores mas também ter dúvidas que podem ser respondidas com facilidade”, considerou Jorge Lopes.
Aprendizagens que Henrique Amoedo assume como de todos, porque “vai-se aprendendo com toda a gente, com pessoas que estão dentro do palco, muitas delas com deficiências que dão algum ‘feedback’”.
“É uma aprendizagem constante, é uma troca, e é isso que é muito válido”, resume Henrique Amoedo.
LUSA