“O maior legado de Bento XVI foi ter assumido o governo da Igreja num momento difícil e ter iniciado uma reforma que não conseguiu depois levar ao fim, como ele próprio disse, em virtude de não sentir as forças físicas e anímicas para exercer, adequadamente, o cargo”, afirmou à agência Lusa António Marto.
O bispo emérito da Diocese de Leiria-Fátima considerou que “só isso já é um exemplo para toda a Igreja”, porque “confrontou a sua situação existencial com os desafios que a Igreja e o mundo punham e tomou uma decisão lúcida, corajosa, humilde e, como ele mesmo sublinhou na homilia final (…), fê-lo pelo sentido de responsabilidade e por amor à Igreja”.
António Marto realçou que Bento XVI “continuou o pontificado de João Paulo II [1920-2005], deu um grande valor ao diálogo com as outras religiões”, além de ter instituído o diálogo com os não crentes.
Por outro lado, o prelado, que está em Roma para o funeral do papa emérito, na quinta-feira, destacou o testemunho de fé de Bento XVI.
“Ele procurou, de facto, como grande teólogo que era, traduzir a fé numa linguagem bela e acessível”, assinalou, observando que “tocava fundo no coração de muita gente” e isso vê-se “na multidão que está a acorrer para dar a última despedida”.
Segundo o cardeal, Bento XVI fez “esta transição para uma nova etapa da Igreja na sua reforma agora iniciada com o Papa Francisco”.
António Marto, que foi aluno de Joseph Ratzinger, mais tarde papa Bento XVI, recordou ter encontrado um professor “muito acessível, com grande simplicidade, acolhedor, próximo dos alunos, sempre disponível nos intervalos de aula”.
O então bispo de Leiria-Fátima, que acolheu Bento XVI no Santuário de Fátima, em 2010, na sua única viagem apostólica a Portugal, disse acreditar que “Fátima deixou uma marca na pessoa e no pontificado” do papa alemão.
“Tinha feito o grande comentário teológico sobre o acontecimento e a mensagem de Fátima”, declarou, recordando que a deslocação a Portugal ocorreu num momento em que “estava no auge a discussão sobre a questão dos abusos a menores”.
Referindo que “veio com alguma timidez”, o cardeal lembrou que na viagem de Roma para Portugal foi confrontado pelos jornalistas com a questão dos abusos sexuais “aplicou a própria mensagem de Fátima à situação, que a Igreja estava a viver e que exigia uma purificação e uma reforma”.
“Siderou, digamos assim, quer os jornalistas, quer toda a gente que depois pôde ouvir, quando disse ‘os inimigos da Igreja não são os de fora, mas são os que estão dentro, com o seu pecado e que sujam a imagem da própria Igreja’”, adiantou.
Ainda sobre Fátima, “ao sublinhar a dimensão profética da mensagem”, António Marto repetiu as palavras de Bento XVI: “Desiludam-se aqueles que pensam que a mensagem de Fátima se esgotou, ela é aplicável ao mundo de hoje e aos sofrimentos da humanidade”.
O cardeal António Marto, que se despediu da Diocese de Leiria-Fátima em 06 de março de 2022, acrescentou uma frase que define o pontificado de Bento XVI: “A primeira encíclica, ‘Deus é amor’, que procurou sintetizar o coração da fé cristã”
“Ele disse que o grande programa do cristão é a imagem do bom samaritano, que tem um coração que vê onde há o sofrimento e é necessário o amor para curar as feridas na humanidade”, declarou António Marto.
O papa emérito Bento XVI, que morreu no sábado com 95 anos, abalou a Igreja ao resignar do pontificado por motivos de saúde, a 11 de fevereiro de 2013, dois meses antes de completar oito anos no cargo.
Joseph Ratzinger, que foi papa entre 2005 e 2013, nasceu em 1927 em Marktl am Inn, na diocese alemã de Passau, tornando-se no primeiro alemão a chefiar a Igreja Católica em muitos séculos e um representante da linha mais dogmática da Igreja.
Os abusos sexuais a menores por padres e o “Vatileaks”, caso em que se revelaram documentos confidenciais do papa, foram temas que agitaram o seu pontificado.
Lusa