Em declarações à Lusa, o presidente da associação, Manuel Soares, revelou já ter estado duas vezes com a ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, e que falou “neste assunto nas duas ocasiões”, considerando estar em causa uma imoralidade nos tribunais arbitrais ‘ad hoc’ constituídos especificamente para dirimir litígios entre o setor público e os privados, que muitas vezes envolvem milhões de euros de dinheiros públicos, sem o devido escrutínio.
“Disse à ministra da Justiça na reunião do Conselho Consultivo da Justiça que, se o Governo não se interessar por esta matéria, os juízes vão preparar um dossier com propostas e enviar a todos os grupos parlamentares. Depois, cada um que assuma a sua responsabilidade perante os portugueses que os elegeram”, afirma o presidente da ASJP, acrescentando: “O negócio das arbitragens ‘ad hoc’ vale muito dinheiro e é um fator evidente de riscos corruptivos”.
Questionando as razões para o Estado não investir nos tribunais comuns “e preferir ‘fugir’ para uma justiça privada, secreta e não fiscalizada”, ou seja, os tribunais arbitrais ‘ad hoc’, Manuel Soares acentua que “o problema não é apenas de opção ideológica entre o que é público e privado” e invoca uma “obrigação de cidadania” para a ASJP intervir nesta área, ao notar: “Há muita gente com saudades do tempo em que os juízes não abriam a boca”.
Ressalva, porém, que a responsabilidade de decisão não é dos juízes e que os deputados “são suficientemente autónomos para não fazerem aquilo que lhes é proposto”, mas que, nesse caso, devem “assumir a responsabilidade das suas ações e omissões” neste tema.
“É também uma opção política e civilizacional pelo tipo de democracia que queremos ter, uma vez que o princípio basilar do Estado de direito exige a subordinação do Estado aos tribunais – mas a tribunais públicos, independentes e fiscalizáveis, não a tribunais escondidos, que decidem milhões de euros na escuridão e opacidade”, vinca.
Para Manuel Soares, só há dois caminhos: “Ou se proíbe que o Estado recorra, como réu ou autor, aos tribunais privados para resolver os seus conflitos com os cidadãos e empresas – coisa que talvez seja excessiva, mas que não seria uma heresia – ou então apertam-se as malhas de controlo, com regras de publicidade, fiscalização e sindicabilidade das decisões nos tribunais arbitrais ‘ad hoc’ sempre que o Estado seja parte no processo”.
O presidente da ASJP entende que estes processos devem passar a ser públicos, ter o Ministério Público como parte, admitir recurso das decisões para os tribunais comuns e integrar em mais situações a intervenção prévia do Tribunal de Contas para validar a legalidade de uma despesa resultante de uma condenação do Estado.
“É normal o Tribunal de Contas recusar o visto a uma despesa por ilegalidade do contrato e depois um tribunal arbitral condenar o Estado a pagar essa quantia a que foi recusado o visto? É normal o Tribunal de Contas querer fiscalizar os gastos do Estado em arbitragens e não conseguir porque os processos são secretos e os árbitros presidentes não são obrigados a mostrá-los e as sentenças não serem acessíveis?”, questiona.
Sublinhando que “a decisão é política e compete ao parlamento” rever o atual sistema, Manuel Soares nota que para se ter “um sistema confiável e moralmente legitimado”, ou se proíbe ou se regulamenta, “apertando a malha do controlo”. Nesse sentido, critica a proximidade entre os beneficiários da arbitragem e a classe política que se “absteve de organizar melhor os tribunais administrativos e fiscais, deixando-os definhar, enquanto ia incentivando o recurso às arbitragens privadas”.
“Há muitas pessoas sérias a trabalhar nessa área, mas ninguém de boa-fé pode garantir que toda a gente é séria e que não há atuações ilícitas. As pessoas que ganham dinheiro com isso ou que podem querer usar em seu benefício ilícito essas oportunidades de impunidade, são, em muitos casos, amigas e visitas da casa das pessoas que tomam decisões”, assinala.
Manuel Soares alerta ainda para a existência de “um conflito de interesses evidente” quando advogados ou membros do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais integram tribunais arbitrais ‘ad hoc’, justificando: “Não se pode estar com um pé em cada lado. Ou se é membro desse Conselho para se fortalecer essa justiça pública ou se faz arbitragem privada em regime de ‘concorrência’”.
Lusa