“A situação do Brasil é uma situação epidemiologicamente complicada, ou seja, o aparecimento de novas variantes é potencialmente complicado porque a exposição seguida a serótipos diferentes tem um risco aumentado de que estas infeções evoluam para situações mais graves do ponto de vista clínico”, disse à Lusa o virologista Ricardo Parreira, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT).
O especialista falava à Lusa a propósito da notícia da deteção, pelos investigadores da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), no Brasil, do primeiro caso do genótipo 2 do serótipo 2 do vírus da dengue, também conhecido como genótipo cosmopolita.
Embora seja o genótipo mais comum no mundo, circulando atualmente na Ásia, Médio Oriente, Pacífico e Ásia, nunca tinha sido detetado no Brasil e só tinha chegado às Américas em 2019, quando foi detetado no Peru, escrevem os investigadores no seu artigo, publicado em abril na plataforma medRxiv antes de ser revisto pelos pares.
Segundo o artigo, a identificação foi feita em fevereiro numa amostra de um caso que ocorreu no final de novembro na cidade de Goiás, precisamente a região mais afetada pelo surto em curso no Brasil, com uma incidência de 1.714 casos por 100 mil habitantes, e mais 380% de casos do que no ano passado.
Apesar do número de casos em Goiás, os cientistas da Fiocruz sublinham que não podem estabelecer uma relação direta entre o novo genótipo e o aumento de infeções.
No entanto, Ricardo Parreira recordou que os investigadores da fundação brasileira identificaram um aumento de casos mais graves e concluiu ser “provável que o aparecimento desta nova estirpe possa estar a gerar o aumento destes casos mais graves”.
Para o investigador, o aparecimento de uma nova estirpe de dengue não é surpreendente, sobretudo quando as viagens internacionais estão a recomeçar após o período da pandemia, mas “a chegada de uma qualquer novidade a um qualquer território onde já circulam” outras estirpes do vírus da dengue “é sempre um sinal de preocupação”.
O Brasil é um país em que uma grande parte da população já foi infetada por este vírus, e “a entrada de uma variante nova numa população que ‘a priori’ pode já ter, na sua grande maioria, sido infetada com uma variante diferente pode aumentar o risco de, do ponto de vista clínico, as coisas evoluírem para uma situação mais grave”.
Em casos graves, a dengue pode evoluir para o que, “de uma forma um bocadinho abusiva”, se chama de dengue hemorrágico, explicou.
“Nem é sempre hemorrágico. Mas tem sempre associadas perturbações ao nível do sistema circulatório, com um aumento da permeabilidade dos capilares, e isso pode evoluir para situações de choque e, no limite, a morte”, acrescentou.
Segundo o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde do Brasil, divulgado na sexta-feira, os casos de dengue no Brasil aumentaram em 151,4% durante os quatro primeiros meses de 2022 face ao mesmo período do ano anterior, e já superam o número total de diagnósticos de 2021.
Os dados mostram que, até abril, foram registados 757.068 casos prováveis de dengue no país, enquanto nos 12 meses de 2021 juntos foram identificados apenas 534.743.
“No Brasil estão a ter neste momento um pico considerável de dengue. Portanto, maior número de infeções implica maior número de pessoas secundariamente infetadas, depois de já terem sido infetadas algures no tempo, e isso inevitavelmente vai fazer aumentar os casos mais graves. (…) Parece que as duas coisas estão ligadas”, defendeu Ricardo Parreira.
A dengue é uma infeção viral transmitida aos humanos pela picada de um mosquito infetado.
Existem quatro serótipos do vírus da dengue e o contacto com um deles só cria imunidade a esse serótipo, pelo que é possível apanhar a doença quatro vezes, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Não há tratamento específico para a dengue ou a dengue grave, mas a deteção precoce e o acesso a cuidados médicos reduzem a taxa de fatalidade para abaixo de 1%.
A incidência da doença tem crescido dramaticamente e cerca de metade da população mundial está atualmente em risco.
Estima-se que ocorram 100 a 400 milhões de casos por ano, mas mais de 80% são moderados ou assintomáticos, segundo a OMS.