“O projeto bolivariano, que reivindicava o direito à manifestação pacífica, não só afinou os mecanismos legais para restringir o seu exercício, mas também, na fase mais recente, aumentou dramaticamente a letalidade exercida contra quem exprime descontentamento nas ruas”, afirmou, em comunicado, o Programa Venezuelano de Educação e Ação em Direitos Humanos (Provea).
A denúncia surgiu quando se completam 20 anos dos violentos acontecimentos de 11 de abril de 2002, em Caracas, que afastaram temporariamente o então Presidente Hugo Chávez, indicou a ONG.
O registo incluiu os dados das vítimas até dezembro de 2020, período durante o qual 9.138 pessoas foram feridas em manifestações no país.
“Decorreram 20 anos. Um ciclo de insurreição que deixou um número trágico de mortos e feridos, e concluiu com a rutura da ordem democrática e a posterior restituição de Hugo Chávez no poder. O 11 de Abril (de 2002) marcou o início de um processo prolongado de criminalização e obstrução do exercício dos direitos de associação, reunião e manifestação pacífica, que se mantém e ganhou força”, explicou.
A Provea indicou que “a criação de zonas de exclusão para dificultar o exercício do direito de reunião e associação pacífica é hoje um dos legados mais negativos da administração de Hugo Chávez, agora continuado por Nicolás Maduro”, atual Presidente venezuelano.
“Depois dos acontecimentos de abril de 2002, começou a levantar-se um muro para impedir que manifestações convocadas por setores da oposição venezuelana pudessem dirigir-se às sedes de instituições governamentais como o Palácio Miraflores, a Assembleia Nacional e outros espaços”, adiantou.
Para a ONG, “esta lógica de exclusão foi reforçada por uma campanha agressiva e permanente de criminalização dirigida a semear no imaginário popular a ideia de que qualquer manifestação dirigida às principais sedes do governo do país tinha como propósito gerar o caos e promover um golpe de Estado, daí que qualquer resposta repressiva e autoritária era válida para conter tal situação”.
Em 2002, a Lei Orgânica de Segurança da Nação foi reforçada, ampliando as zonas de segurança e proibindo a realização de assembleias, greves ou manifestações, pelo que “já não só os opositores foram alvo da exclusão e penalização por exercer os seus direitos”, os “trabalhadores, camponeses e ativistas” passaram a ser as principais vítimas da judicialização dos protestos e criminalização do exercício dos direitos constitucionais”, salientou.
“Pelo menos 150 dirigentes sindicais converteram-se em presos ou perseguidos políticos”, devido à aplicação de várias leis, tendo como justificação a “defesa dos interesses da nação”, acrescentou.
Por outro lado, a reforma do Código Penal, em 2005, levou à ilegalização dos encerramentos de rua por manifestantes, criminalizou a obstrução da distribuição de bens de primeira necessidade e tem sido aplicada contra os manifestantes.
A legislação passou a penalizar qualquer conduta que afete o consumo de alimentos ou produtos com preços regulados, o que tem impedido greves nas empresas estatais, explicou.
Já em 2009, a reforma da Lei das Forças Armadas Bolivarianas, introduziu a figura dos “corpos combatentes” dentro das empresas estatais e privadas, uma tendência que impulsionou “milícias operárias”.
Em maio passado, foi reforçada da criminalização dos protestos com a promulgação da Lei Orgânica contra a Criminalidade Organizada e Financiamento do Terrorismo, lembrou.
Em 2014, o então presidente da Câmara Municipal de Libertador (centro), Jorge Rodríguez, decretou a cidade de Caracas “zona livre do fascismo” e desde então nenhuma manifestação opositora foi autorizada a transitar livremente.
A ONG acrescentou que, desde 2002, cada ciclo importante de protestos tem sido acompanhado por um aumento dos padrões repressivos que envolvem o uso excessivo da força e a presença de civis armados para atacar manifestações, cada vez mais frequente.
Lusa