"O medo que as pessoas têm da energia nuclear deve-se ao desconhecimento. O grande mal é que desde o início da produção de energia elétrica em reatores nucleares não houve preocupação de informar as pessoas. Era mais simples e barato queimar petróleo e carvão e agora sofremos as grandes consequências disso. Criámos toda a economia mundial à volta de combustíveis fósseis", afirma o investigador em entrevista à agência Lusa.
Trata-se de uma energia que na produção é "completamente limpa, em que não há qualquer emissão de dióxido de carbono, poeiras ou outros resíduos para a atmosfera", gerando, no entanto, resíduos radioativos do combustível consumido.
Portugal é um dos países europeus que "não tem neste momento uma autonomia energética, está totalmente dependente do exterior" e é também por isso que "paga das energias elétricas mais caras".
"Mas nós consumimos energia nuclear. As pessoas não podem esconder a cabeça na areia. Na fatura da eletricidade descreve-se de onde vem a energia consumida em Portugal e está lá a nuclear, importada de Espanha e de França. Nós precisamos do nuclear", considera.
Eduardo Alves defende que "para não prejudicar mais o ambiente, é preciso parar imediatamente de consumir combustíveis fósseis e neste momento, 60 a 70 por cento da energia mundial ainda é produzida a partir de petróleo, carvão e gás".
"Para deixarmos de os utilizar, tem que haver uma alternativa e os governos estão a ser obrigados a encarar esta realidade. Há um aumento da temperatura incontornável e temos que o parar, senão vamos assumir as consequências. Estamos a desestabilizar o equilíbrio que existiu na nossa atmosfera durante milhões de anos. Tem que haver um compromisso entre países para se reduzir progressivamente a utilização de combustíveis fósseis para poderem ser alcançados os protocolos climáticas, mas sem pôr em causa as economias", analisa.
As energias renováveis como a solar e eólica não permitem sustentar mais do que "10 por cento das necessidades", salienta o investigador, frisando que é preciso "ter outra forma viável de produzir energia, e já".
"A única que conhecemos, porque a tecnologia está testada, é a nuclear", como atesta o modelo energético francês, que conta com 70% de eletricidade produzida em centrais nucleares, defende Eduardo Alves.
Com a invasão da Ucrânia pela Rússia, "a Europa acordou de repente" para os seus problemas de dependência energética de países exportadores de combustíveis fósseis como a Rússia, o que evidenciou que "não há nenhum método atual de produção de energia que consiga, no espaço de uma década, ter um sistema alternativo ao carvão, petróleo e gás".
"A China, que é o maior poluidor mundial, está a consumir 45% da energia elétrica produzida no mundo, mais do que a Europa e os Estados Unidos juntos. A sua grande fonte é o carvão e sofre também os problemas climáticos, por isso se comprometeram a baixar as suas emissões. E como é que o vão fazer? Estão a construir 10 centrais nucleares e têm mais cerca de 20 planeadas. É a única maneira de produzirem a energia de que precisam sem aumentar o consumo de carvão, e provavelmente vão consegui-lo", afirma o investigador.
As novas tecnologias de produção e os reatores de última geração permitem obter mais rendimento energético a partir da mesma quantidade de combustível e produzem menos resíduos com uma vida radioativa na ordem dos 500 anos, muito inferior aos milhares de anos que tornam o armazenamento de combustível nuclear usado um problema que reconhecido e para o qual terá que se encontrar solução, pois existirão sempre resíduos radioativos.
"A segurança e os resíduos radioativos são a grande preocupação. Neste momento os reatores da nova geração permitem reduzir significativamente o volume desses resíduos pois eles são consumidos durante o funcionamento do reator para gerar mais energia" e os novos reatores são construídos com "cada vez mais sistemas de segurança redundantes", fruto das lições aprendidas com os três únicos acidentes nucleares de relevo da História: Three Mile Island, nos Estados Unidos em 1979, Chernobyl na União Soviética em 1986 e Fukushima, no Japão, em 2011.
"É evidente que a energia nuclear tem problemas. Mas os estudos estão feitos. É preciso um equilíbrio. Se continuarmos a emitir dióxido de carbono, daqui a 60 ou 70 anos, já não vamos mais à Baixa de Lisboa. Estará debaixo de água. As nossas praias vão desaparecer. Os nossos estuários vão desaparecer, tal como todas as ilhas da Ria Formosa", frisa.
Eduardo Alves estima que "em cinco a dez anos" seria possível ter um reator a produzir energia: "a construção é modular, é como um ‘lego’ mas acho que o processo de licenciamento seria mais moroso do que a própria construção, porque a União Europeia, apesar de considerar a energia nuclear para a transição energética, colocou requisitos de tal maneira limitadores que será um desafio cumprir com todos, do ponto de vista científico".
Em março de 1976, a população de Ferrel manifestou-se contra a construção de uma central nuclear naquela freguesia do concelho de Peniche, um processo de contestação que ganhou força nos anos seguintes e acabou por levar ao abandono do projeto no princípio da década de 1980.
Para Eduardo Alves, foi "uma oportunidade perdida" que Portugal hoje paga na fatura da eletricidade que tem que importar e nas consequências ambientais que são uma ameaça no horizonte.
"Precisamos de todas as energias. A nuclear foi ignorada durante muito tempo e está a ter as consequências que vemos. Não usando a nuclear, usamos os combustíveis fósseis, o que se compreendia há 50 anos, quando ainda não tínhamos sido afetados pelas alterações climáticas. A nuclear é aquela energia que ligamos e está lá sempre", resume.
Lusa