O novo "Napoleão” é o Presidente russo, Vladimir Putin, segundo P.K., 24 anos, que considera importante que, um mês após o início da invasão russa da Ucrânia, o "ocidente" perceba aquela realidade.
O jovem informático a trabalhar para uma empresa europeia pediu à agência Lusa para não ser identificado por temer represálias junto da família e amigos na Rússia.
"A obra de Lev Tolstoi «Guerra e Paz» contém importantes lições mesmo para os tempos presentes. Um dos personagens principais, Pierre Bezukhov, depois de uma das grandes batalhas finais descobre que a guerra não é a solução e que o melhor é regressar, casar, ter filhos e viver a vida. Não é lutar. São palavras sábias de Tolstoi. Putin nunca deve ter lido «Guerra e Paz», é uma espécie de ‘Napoleão’", disse à Lusa, em Lisboa.
P.K. já estava a viver em Portugal há um mês, quando começou a "operação especial" ordenada por Vladimir Putin contra a Ucrânia. No passado dia 24 de fevereiro, dia em que começou a invasão, decidiu não regressar à Rússia como forma de protesto contra o regime do Kremlin e recorda que os cidadãos russos podem ser condenados a severas penas de prisão por dizerem o que pensam.
No seu círculo de amigos russos "ninguém apoia a guerra" e muitos abandonaram a Rússia nas últimas semanas ou estão a preparar-se para sair porque o "país se transformou num Estado policial", contou, sublinhando que se trata de jovens de uma "geração muito bem preparada", com estudos e que fala línguas estrangeiras.
"Eu estou em conflito comigo mesmo. Fugi da Rússia, mas não sei como posso ajudar a mudar as coisas. Não aceitava este governo e sentia que tinha as mãos atadas. Não podia fazer nada e foi por isso que deixei o país", declarou, considerando que a guerra já estava definida há muito tempo.
"Para mim tudo isto é insensato. Em 2014, quando a Crimeia foi anexada, pensei quer era altura de abandonar a Rússia, mas fui ficando e apenas em oito anos chegámos a isto. A propaganda russa acusou a Ucrânia de perseguir crianças russas e, na verdade, a propaganda convenceu muita gente na Rússia", disse.
Considerando a atual guerra contra Ucrânia "horrível e injustificável", P.K. esboça "cenários" em função daquilo que conhece da política interna russa e das notícias publicadas nos meios de comunicação social "ocidentais".
"Na minha cabeça há dois cenários. O primeiro é que vai tudo descarrilar e Putin vai carregar no botão das armas nucleares e isso pode ser um desastre para todos. No segundo cenário, os militares russos vão sair da Ucrânia para avaliarem as baixas para, provavelmente, tentarem outra invasão se Putin se mantiver no poder. Neste momento, a situação não é muito favorável ao regime russo, pelo que vejo", reflete.
Por outro lado, disse, a realidade pode vir a ser muito complicada na Rússia durante os próximos dois anos, sobretudo entre a cúpula de poder.
"Putin não rejuvenesce, está a ficar mais velho e, por isso, os que ocupam a estrutura de poder vão lutar entre si", considerou.
O jovem informático, que tenciona pedir estatuto de residente em Portugal, alertou que a máquina de propaganda do Kremlin é muito eficiente e que, sobretudo através das televisões nacionais, convence as gerações mais velhas com mentiras.
"O discurso do regime parece decalcado dos anos 1930, se mudarmos os nomes dos países e os nomes das pessoas é praticamente igual do ponto de vista da ‘ideologia’", disse, referindo-se às posições transmitidas pelo Kremlin.
Quanto às recentes notícias sobre as ausências do ministro da Defesa, Serguei Shoigu, que não é visto há 12 dias, e do chefe de Estado Maior das Forças Armadas, Valeri Guerasimov, que não é visto em público desde o dia 04 de marco, P.K. admitiu que podem vir a "tornar-se bodes expiatórios", mas notou que na Rússia "os políticos e as altas chefias militares nunca são muito visíveis".
Por outro lado, o jovem russo receia que se gere no "ocidente" alguma hostilidade contra os russos e a cultura da Rússia.
"Eu já tive de explicar em conversas aqui em Portugal que não fui eu quem escolheu este regime e esta guerra. Só porque sou russo?”, referiu.
“Esta discriminação contra os russos só pode piorar as coisas. Excluir os russos como povo é dar a vitória ao discurso de propaganda do regime de Putin, que depois vai usar tudo e sobretudo o ‘discurso do ódio do ocidente’ para manipular as pessoas", lamentou P.K., recordando que chegou a altura de reler "Guerra e Paz" de Tolstoi, uma obra que "Putin provavelmente não conhece".
Lusa