A descoberta, descrita na revista da especialidade Cell Host & Microbe, envolveu uma equipa liderada por Karina Xavier, que coordena o laboratório de Sinalização Bacteriana do IGC.
Para este trabalho foram usados ratinhos como modelo para avaliar o comportamento da bactéria ‘Bacteroides thetaiotaomicron’, uma das mais abundantes na microbiota intestinal humana (o ‘ecossistema’ de micróbios que povoam o intestino) e que tem como função principal degradar as fibras presentes em vegetais.
Já se sabia que um regime alimentar pobre em fibras é mau para os intestinos, uma vez que altera a variedade e o número de espécies de microrganismos que fazem parte da microbiota intestinal e que não só facilitam a digestão e a absorção dos alimentos, mas também mantêm o intestino saudável.
O que não se sabia, e que o estudo do IGC veio revelar, é que uma tal dieta altera igualmente a genética desses microrganismos, no caso a da bactéria ‘Bacteroides thetaiotaomicron’, que, ao ganhar mutações por falta de fibras para consumir, passa "a degradar de uma forma mais eficiente a mucosa intestinal", tecido que reveste as paredes do intestino e que funciona como uma barreira contra infeções e inflamações.
"O problema tem consequências mais permanentes do que se pensava, porque a genética dos micróbios presentes é alterada", sublinhou à Lusa Karina Xavier, assinalando que "os intestinos se tornam mais permeáveis e suscetíveis a infeções e agentes inflamatórios" quando há micróbios da microbiota "a degradar a camada protetora" que é a mucosa intestinal.
Karina Xavier e restante equipa submeteram ratinhos a dois regimes alimentares diferentes, que mimetizam dietas humanas ricas em vegetais, mas com baixo teor de gorduras, e pobres em vegetais, mas ricas em alimentos processados, incluindo açúcares simples, e em gorduras.
Ao fim de três meses, a bactéria ‘Bacteroides thetaiotaomicron’ adquiriu mutações genéticas nos ratinhos sujeitos a uma dieta pobre em fibras que a fizeram passar "a consumir polímeros da mucosa intestinal", com "efeitos negativos para o hospedeiro".
Num próximo passo, os autores do estudo pretendem verificar se o que se passa com esta bactéria é visível em outros microrganismos da microbiota intestinal humana e "desvendar a função", ainda desconhecida, de outros genes da ‘Bacteroides thetaiotaomicron’ que também sofreram mutações.
Em aberto está também a hipótese, a investigar, de a "exposição prolongada a alterações ambientais" – não só causadas pelo regime alimentar mas também pelo consumo de antibióticos – e a "alterações do estilo de vida" provocarem mutações genéticas nesta e outras bactérias.
O grupo de Karina Xavier quer ainda aferir a possível relação entre o que foi observado com a ‘Bacteroides thetaiotaomicron’ e a obesidade.
"Penso que as alterações a nível genético que observámos na bactéria que estudámos podem passar de mães para filhos e assim explicar uma das razões pelas quais filhos de mães obesas podem ter uma maior suscetibilidade para problemas associados à obesidade", disse à Lusa.