Sublinhando que, “tipicamente, um IRS com muitos dos escalões é um IRS que pode no futuro penalizar os acréscimos de rendimento das famílias”, Paulo Núncio entende que aumentar o número dos escalões vai tornar o imposto “mais complexo de aplicar e de administrar”.
Em entrevista à Lusa, o antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do Governo de Pedro Passos Coelho considera por isso, que, numa perspetiva de desagravamento fiscal, seria “mais adequado” haver “menos escalões, mas com taxas mais baixas” do que aumentar o seu número.
“Na minha perspetiva, em termos de desenho do IRS, seria mais adequado termos menos escalões com taxas efetivamente mais baixas”, sublinha.
Um aumento dos escalões, refere, reduz o seu âmbito o que “significa que um pequeno acréscimo de rendimento de uma família determinará ou poderá determinar um aumento de tributação imediata”, porque há uma passagem para o escalão superior.
No atual modelo (de sete escalões) “16% dos agregados com mais rendimentos já suportam cerca de 65% do valor total do IRS”, acentua, para justificar que tal mostra que o imposto já é “altamente progressivo”.
Em 2012, quando Paulo Núncio estava à frente da secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, o número de escalões foi reduzido para cinco. Já durante o primeiro Governo de António Costa o número aumentou para sete, sendo que o primeiro-ministro já sinalizou que está a ser estudado o desdobramento dos 3 .º e 6 .º escalões no âmbito do Orçamento do Estado para 2022 (OE2022).
Paulo Núncio acentua ainda que se o objetivo for devolver 200 milhões de euros, a medida terá um impacto muito reduzido na carteira das famílias.
“É uma medida que servirá certamente para encher noticiários, mas que terá um impacto muitíssimo reduzido na vida das pessoas e das famílias portuguesas”, refere, salientando que 200 milhões de euros representam menos de 1,5% da receita de IRS que anualmente é cobrada.
Além de uma descida das taxas em vez da criação de mais escalões no IRS, Paulo Núncio entende que, a nível fiscal, a prioridade deveria ir para a descida da taxa do IRC – o imposto que incide sobre o lucro das empresas.
“Neste momento as empresas portuguesas continuam a estar sujeitas a uma taxa de IRC altíssima, de 31,5% [soma da taxa nominal e das derramas, municipal e estadual]. É a segunda taxa mais elevada da União Europeia, ficando só atrás da França”, refere Paulo Núncio, considerando que tal situação faz Portugal ser menos competitivo do que outros países com os quais concorre na atração de investimento.
Neste contexto, considera que seria “central” retomar a reforma de 2013, “que foi acordada pelo PSD, pelo CDS e pelo PS, no sentido de reduzir gradualmente a taxa das empresas”, defendendo também a redução gradual das derramas, “até à sua extinção”.
Relativamente a uma descida do IVA, como tem sido reclamado pelas empresas de restauração – como forma de mitigar os efeitos da pandemia –, Paulo Núncio recusa a ideia.
“Não sou favorável a reduções seletivas de tributação em função do setor”, refere para sustentar que, na sua opinião, “os impostos são gerais e abstratos”, pelo que “devem ser aplicados da mesma forma para todos os setores”.
O IVAucher, programa lançado pelo Governo para estimular o consumo nos setores da restauração, hotelaria e cultura, merece o elogio do antigo governante.
“Tenho uma boa opinião sobre o programa IVAucher. É um programa que assenta no sistema e-fatura e que permitiu dar um conjunto de incentivos para os consumidores em geral, para as famílias em geral, consumirem e fazerem mais compras em determinados setores muito atingidos pela pandemia. Acho que isso é positivo”, precisa.
No entanto, e uma vez que o saldo acumulado pelos consumidores e que pode agora ser descontado em novas compras naqueles setores rondou os 84 milhões de euros – abaixo dos 200 milhões de euros estimados –, Paulo Núncio considera que a medida deve ser reintroduzida no próximo ano e até alargada a outros setores.