Esta é uma das principais conclusões de um estudo realizado por um grupo de especialistas da área da saúde, cujo objetivo é levantar questões e propor soluções para ultrapassar os desafios atuais e futuros da abordagem às doenças cardiovasculares em Portugal.
No estudo, cujas conclusões foram integradas no documento “Innovation and Healthcare Process in the Cardiovascular Patient in Portugal”, os especialistas destacaram também que a gestão destas doenças em Portugal enfrenta vários desafios, como a “desigualdade no acesso à saúde”, relacionada com fatores geográficos e socioeconómicos, e a “fragmentação do sistema de saúde”.
A falta de integração e comunicação entre os cuidados de saúde primários e cuidados de saúde secundários, assim como entre os diferentes profissionais de saúde envolvidos na prestação de cuidados cardiovasculares, foram outras dificuldades encontradas.
Foram também diagnosticadas dificuldades no planeamento estratégico do financiamento do sistema de saúde, aliadas à falta de estratégias de avaliação claras para a inovação.
Em declarações à agência Lusa, Adalberto Campos Fernandes, ex-ministro da Saúde e especialista em saúde pública, sublinhou que “o peso das doenças cardiovasculares é muito relevante e abrange uma faixa muito significativa da população”.
“São doenças que são muito sensíveis àquilo que pode ser o investimento na promoção da saúde, na educação para a saúde, na alteração dos estilos de vida das pessoas e, portanto, há aqui uma ideia clara de que o investimento que se possa fazer na promoção da saúde é custo efetivo”, sublinhou o ex-ministro da Saúde.
Segundo o especialista, é possível evitar que muitas pessoas fiquem doentes e, sobretudo, se ficarem doentes possam ficar em condições de melhor controlar a sua doença.
“Nós vimos agora a propósito da pandemia a grande preocupação que houve com a covid-19, mas quando olhamos para a distribuição das doenças em termos europeus e em termos nacionais percebemos que a grande mancha de preocupação está concentrada nas doenças cardiovasculares”, vincou.
No seu entender, “tem havido investimento” nesta área, mas “talvez tenha estado excessivamente centrado no diagnóstico e tratamento”, devendo ser mais orientado para “promoção da saúde e prevenção da doença”, mas também no aumento da literacia em saúde para que os cidadãos se possam consciencializar do muito que podem fazer para prevenir e controlar este tipo de doenças.
Segundo o especialista, os sistemas de saúde em toda a Europa acabam por ser muito pressionados pelas despesas relacionadas com o diagnóstico, tratamento e sobretudo com as despesas concentradas nos cuidados de saúde diferenciados.
“Com isso a alocação de recursos aos cuidados de saúde primários, às atividades preventivas saem prejudicados”, disse, defendendo que nos próximos anos é importante reforçar o pilar da prevenção como mais recursos, não apenas financeiros, mas também humanos nestas áreas.
Defendeu ainda ser fundamental que seja reestabelecido um programa intenso para recuperar todos os doentes que tenham ficado para trás devido à pandemia de covid-19.
“Há uma enorme sensibilidade de todos, a começar pelas autoridades, mas também da própria comunidade de profissionais de saúde, para que essa recuperação dos chamados doentes perdidos ou atrasados seja feita com a maior brevidade”, salientou.
Por outro lado, defendeu ser “muito importante”, agora que se está numa situação de pré-controlo da situação pandémica, que seja feita “uma avaliação muito rigorosa do excesso de mortalidade” observada nos últimos 15 meses.
“Tivemos claramente um excesso de mortalidade, face às médias detetadas nos últimos cinco anos, e uma grande parte dessa mortalidade não está relacionada com a covid-19”, disse, salientando que foram pessoas que provavelmente “não teriam morrido, se o acesso não tivesse sido comprometido”.
“Isso tem que ser estudado e tem que ser clarificado e percebido em Portugal e em todo o mundo”, defendeu.
Em Portugal, as doenças cardiovasculares estão entre as principais causas de morbilidade, mortalidade e incapacidade, estimando-se que 75% dos casos se devem fatores de risco cardiovascular modificáveis.