De acordo com o documento assinado em 2006 e consultado agora pela agência Lusa nos serviços do Ministério da Cultura, a cláusula 10.ª do acordo, que se mantém válida, determina igualmente que o Estado não pode impedir a coleção de sair do país, caso termine este acordo de empréstimo das obras.
O protocolo foi negociado entre o Estado e Berardo para a criação do museu em seu nome no Centro Cultural de Belém (CCB), em 2007, e a cláusula 10.ª exige contrapartidas por parte do empresário, não só pelo empréstimo das obras, como também pelo direito de opção de compra da coleção.
Na cláusula fica estipulado que são estes os "compromissos por parte do Estado", em "contrapartida pelo comodato gratuito por dez anos à Fundação [de Arte Moderna e Contemporânea — Coleção Berardo], e do direito de opção de compra" atribuído.
Pela cedência gratuita, por dez anos, das 862 obras – avaliadas, na altura, em 316 milhões de euros pela leiloeira internacional Christie’s – para criar o museu, o Estado, no caso de não comprar a coleção, aceitou, segundo a cláusula, "não classificar, ao abrigo da atual e/ou futura legislação nacional, e/ou comunitária de proteção do património cultural a Coleção Berardo, e/ou qualquer das peças que a integre".
Segundo esta cláusula – que não sofreu alterações com a adenda ao acordo, assinada entre as duas partes em 2016 por mais seis anos -, ficam abrangidas a "classificação de tesouro nacional, de interesse público ou outras denominações legais futuras".
A outra contrapartida exigida por Berardo determina que o Estado se compromete a "não colocar entraves à saída de Portugal e/ou do espaço comunitário, ao abrigo da atual ou futura legislação de proteção de património cultural, caso venha a cessar o comodato" entre ambos.
Tal significa que – caso o acordo entre as partes termine – José Berardo poderá dispor da sua coleção de arte como entender e fazê-la sair de Portugal ou da Europa, sem que o Estado o possa impedir.
A 10.ª cláusula vai mais longe e estabelece ainda: "Caso o Estado ou outra entidade pública, tutelada pelo Governo, venha a desencadear um processo que ponha em causa os compromissos desta cláusula, fica obrigado a adquirir a Coleção Berardo pelo valor igual ao preço da data em que o faça".
O acordo firmado entre as partes possui ainda uma 13.ª cláusula, que estabelece os casos de incumprimento em que o Estado é obrigado à "restituição imediata" da coleção, nomeadamente, a alteração dos estatutos da Fundação, a utilização abusiva das obras, a não-abertura do museu, a conservação inadequada, e atrasos nos apoios financeiros.
A Associação Coleção Berardo, presidida por José Berardo, é indicada no acordo como "a dona e legítima possuidora das obras", que a CGD, o BCP e o Novo Banco querem penhorar através dos títulos de participação que o empresário deu como garantia para obter créditos que atualmente atingem quase mil milhões de euros.
Foi com este protocolo, assinado em 2006, que viria a ser criada a Fundação de Arte Moderna e Contemporânea — Coleção Berardo, com a participação do colecionador, do Estado, através do Ministério da Cultura, e da Fundação CCB, com a missão de criar o Museu Berardo para exibir um acervo inicial de 862 obras da coleção de arte moderna e contemporânea do empresário.
A polémica em torno da coleção – que inclui obras raras de Jean Dubuffet, Joan Miró, Yves Klein e Piet Mondrian – surgiu em maio, quando Berardo foi questionado no parlamento sobre as dívidas, e disse que pertencia à associação em seu nome, dando a entender que os bancos não poderiam aceder-lhe.
Sobre a possibilidade de as obras saírem do CCB, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, veio dizer, na altura, que o Governo "usará as necessárias medidas legais" para garantir que a coleção continuará inteira e acessível à fruição pública.
A adenda ao acordo, negociada e assinada em 2016, determinou o seu prolongamento por mais seis anos, com a possibilidade de ser renovada automaticamente a partir de 2022, se não for denunciado nos seis meses antes do fim do protocolo.