No último dia do Festival Literário da Madeira, que decorre no Funchal, a conversa sobre religião centrou-se na questão da cidade de Jerusalém como um lugar de desencontros, motivo de conflito e lutas entre religiões, com os três convidados – em representação de muçulmanos, cristãos e judeus – a concordarem que espiritualmente é uma cidade sagrada, mas que tal não justifica a “humilhação” e o desrespeito pela vida humana, em função das suas religiãos.
Esther Mucznik, que esclareceu não estar, no encontro, a representar o judaísmo, mas a falar em termos pessoais, como judia, afirmou que, só “quando todos perceberem que todos têm lugar lá”, será possível alcançar a paz em Jerusalém.
“É quando se responder à questão a quem [Jerusalém] pertence com ‘a todos os que lá vivem, moram e trabalham e têm uma relação profunda’” com a cidade, acrescentou.
Para o ‘sheik’ David Munir, que explicou as razões por que Jerusalém é tão importante para os muçulmanos, salientou que a cidade constitui um “lugar de encontro, onde é possível respeitar o outro independentemente da religião”.
“É isso que queremos que aconteça”, disse, acrescentando, contudo, que “se um muçulmano não quer expulsar, também não quer ser expulso”.
Frei Bento Domingues foi quem introduziu a ideia de que “não há lugares sagrados” e que “sagrado é só o ser humano, mas é o menos respeitado”.
“Jerusalém é para mim sobretudo, ou deveria ser, um lugar de referência para o fenómeno religioso. Não seria uma beleza que Jerusalém se transformasse num lugar simbólico, que é possível as pessoas viverem, mas com as outras sem se agredirem”, porque somos humanos, seja qual a religião, ou sem ela. Sonho com Jerusalém tornar-se assim”, disse.
A promiscuidade entre a politica e a religião é outro dos entraves, na opinião de Esther Mucznik, que afirmou concordar com a “visão profética de Frei Bento Domingues”.
“Há este obstaculo. Enquanto não houver separação clara entre religião e politica, a mensagem universal dada pelas religiões é perversa, não é de paz. É preciso compromissos de parte a parte, vermos como podemos um dia construir uma Jerusalém das pessoas que lá vivem, que lá estão e que a fizeram”, defendeu a responsável.
A esta afirmação o ‘sheik’ David Munir respondeu, considerando que o conflito que se vive em Jerusalém “não é entre judeus ou muçulmanos, ou cristãos”, mas entre palestinianos e o Estado de Israel.
Para o líder da mesquita islâmica em Lisboa, “a essência das religiões é conversar e dialogar”.
O responsável concordou com as palavras “do profeta Bento Domingues”, expressão com que brincou com o frade dominicano, quando afirma que “o ser humano é o mais sagrado”.
O problema é que "alguns monopolizaram a religião e fizeram algo completamente diferente. Respeito a pessoa, como ser humano, gostaria que todos os muçulmanos fizessem isso. Nós temos um défice, temos esse défice”, reconheceu, acrescentando que gostaria que “aquele lugar fosse de convívio pacifico e de paz”.
“O diálogo inter-religioso é eu dizer aos muçulmanos, o Frei Bento Domingues dizer aos cristãos e a Esther Mucznik dizer aos judeus para se entenderem todos. Nós almoçamos juntos, estamos aqui juntos, somos a santíssima trindade”, brincou o ‘sheikh’ David Munir, salientando que “ os religiosos têm grande importância na sua congregação, mais do que os políticos”.
C/ LUSA