A greve de 24 horas da RAI é o mais recente protesto dos jornalistas italianos contra o que dizem ser ameaças à liberdade de imprensa e de expressão em Itália, incluindo investigações criminais a jornalistas e episódios suspeitos de censura vindos do executivo liderado pela primeira-ministra Giorgia Meloni.
Nem todos os jornalistas participaram e os noticiários da RAI continuaram a ser transmitidos, embora de forma reduzida.
A RAI, que controla os três principais canais públicos de televisão italianos, declarou que está a trabalhar para se transformar numa empresa moderna de meios de comunicação digitais e que não pode fazer novas contratações.
Num comunicado de resposta à greve, a RAI afirmou que não está a pôr em risco os direitos ou os empregos dos atuais funcionários e que está “cada vez mais empenhada em salvaguardar os valores do pluralismo e da liberdade de expressão”.
A greve ocorre poucos dias depois de a organização Repórteres Sem Fronteiras ter descido em cinco posições a Itália no índice anual de liberdade de imprensa.
No 46.º lugar de um total de 180 países, a Itália passou para a categoria de países “problemáticos”, juntamente com a Polónia e a Hungria, membros da União Europeia (UE).
Os RSF citaram, entre outros, relatos de uma proposta de aquisição da agência noticiosa italiana AGI por um deputado do partido Liga, parceiro de coligação do governo de direita de Meloni. O deputado controla já três diários conservadores.
No mês passado, os jornalistas da AGI entraram em greve para protestar contra a proposta de venda da ENI, controlada pelo Estado.
Há duas semanas que os jornalistas das redações da televisão e da rádio da RAI estão a protestar contra a redução do orçamento da empresa, incluindo o congelamento das contratações, a eliminação de postos de trabalho divergências e a reorganização do pessoal.
Para os funcionários, a racionalização tem como objetivo final “reduzir a RAI para se tornar o megafone do Governo”.
“Estou muito preocupado com o que está a acontecer em Itália”, disse Daniele Macheda, secretário da União Sindical dos Jornalistas da RAI (USIGRAI).
“[O caso da AGI é] um sintoma de um sistema que não funciona e que corre o risco de pôr em causa um bem da democracia, que é a informação livre e independente”, frisou Macheda numa conferência de imprensa realizada hoje na Associação da Imprensa Estrangeira.
A RAI foi recentemente notícia por causa de um episódio de alegada censura, quando cancelou abruptamente um monólogo de um escritor antifascista que iria para o ar no dia 25 de abril, data em que a Itália comemora a libertação do regime fascista. O texto era altamente crítico em relação a Meloni, cujo partido tem as suas origens no movimento neofascista italiano.
A RAI disse que o contrato foi cancelado por razões financeiras. A própria Meloni publicou o texto na conta pessoal do Facebook, mas também tem criticado as reportagens de investigação da RAI.
Mais recentemente, atacou publicamente a RAI por causa de um programa de investigação sobre o acordo de migração que fez com a Albânia para a construção de dois centros de processamento de migrantes no país. O acordo foi criticado por partidos da oposição de esquerda e por grupos de defesa dos direitos humanos.
“Ajudem-me a enviar a [o primeiro-ministro da Albânia] Edi Rama e ao povo albanês a nossa solidariedade por ter sido linchado por ter apenas ajudado o nosso país”, disse Meloni ao seu partido, Irmãos de Itália, num comício de campanha a 28 de abril.
Os jornalistas em Itália, incluindo os da RAI, há muito que lamentam o recurso a ameaças ou processos de difamação ou queixas-crime por parte de políticos, empresários e outros que são objeto de reportagens de investigação.
Nas últimas semanas, o diretor do jornal Domani, Emilio Fittipaldi, foi convocado para responder a perguntas dos membros da comissão parlamentar antimáfia de Itália sobre uma investigação criminal sobre a origem das fugas de informação dos meios de comunicação social sobre políticos de topo.
Três jornalistas do Domani estão atualmente a ser investigados pelo Ministério Público de Perugia (centro de Itália) pelas reportagens sobre o ministro da Defesa de Meloni e arriscam-se a ir para a prisão se forem condenados.
Lusa