A Comissão parlamentar de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa, no âmbito do grupo de trabalho de avaliação do endividamento público e externo, recebeu hoje alguns dos economistas responsáveis por dois estudos: Ricardo Cabral, da Universidade da Madeira, e Ricardo Paes Mamede, do ISCTE, coautores do "Relatório sobre a sustentabilidade das dívidas", que juntou também deputados do PS e do Bloco de Esquerda; e Joaquim Sarmento e Ricardo Santos, coautores do documento "Que caminhos para a dívida portuguesa?", do ‘think thank’ Plataforma para o Crescimento Sustentável, ligado ao PSD.
No debate, Ricardo Cabral recusou operações de gestão de dívida que envolvam mais risco, como "a emissão de dívida em jurisdições legais que não em Portugal e que não na moeda europeia", devido a alterações cambiais que possam vir a prejudicar o país.
Questionado depois pelo deputado do Bloco de Esquerda Paulino Ascensão sobre a possibilidade de uma emissão de dívida em moeda chinesa, o economista da Universidade da Madeira considerou que essa "não parece ser uma boa estratégia", uma vez que a China é detentora das maiores reservas cambiais do mundo, o que pode levar a uma "apreciação abrupta" da sua moeda, o renmimbi.
No final de setembro, o Ministério das Finanças confirmou que Portugal recebeu autorização do banco central da China para fazer a primeira emissão de dívida no mercado chinês, sendo que os detalhes ainda estavam, na altura, por fechar.
Também o economista Joaquim Sarmento defendeu que "o ideal seria emitir em euros", embora admitindo "não ficar chocado" se se falar de montantes pequenos e que "tem valor" a abertura de Portugal a novos mercados.
Ricardo Cabral defendeu igualmente que as "entidades públicas [empresas e regiões] devem evitar taxas de financiamento superiores à do Estado", dando depois o exemplo da Região Autónoma da Madeira, que se está a financiar a custos mais elevados do que a República, respondendo a questões colocadas pela deputada do CDS-PP Cecília Meireles.
Por sua vez, Ricardo Santos, coautor do documento "Que caminhos para a dívida portuguesa?", defendeu uma resposta que, "na prática, não é mais do que continuar muito do que tem feito o IGCP", agência que gere a dívida pública portuguesa: "diversificar as ações de financiamento, aumentar o financiamento interno, que é mais estável, acelerar os reembolsos ao FMI".
Mas para o economista é necessário também "minimizar as necessidades de financiamento", tornando-as "mais previsíveis", sugerindo que as necessidades de financiamento não ultrapassem os 10.000 milhões de euros por ano.
Além disso, e apesar da recente subida do ‘rating’ de Portugal, para nota de investimento, pela Standard and Poor’s, Ricardo Silva e Joaquim Sarmento defendem que é "necessário manter uma ‘almofada’ de liquidez e uma política orçamental responsáveis".
No relatório preparado pela Plataforma para o Crescimento Sustentável é defendida a criação de ‘eurobonds’ para a dívida até aos 60% do PIB de cada país.
Na resposta, Ricardo Paes Mamede, que participou no relatório com deputados do PS e do Bloco de Esquerda (BE), recusou trabalhar com cenários em que a dívida pública se consegue gerir "sem dificuldades", defendendo que é necessário "considerar formas de reduzir os encargos", além do que tem sido feito.
Recorde-se que o grupo de trabalho do PS e BE sobre a dívida pública propõe, entre outras medidas, uma reestruturação dos empréstimos europeus, através da diminuição dos juros para 1% e do alargamento do prazo de pagamento para 60 anos, que permitiria uma redução da dívida para perto de 90%.
"Não há uma silver bullet [bala de prata]. Desenganem-se os que acreditam que há uma varinha mágica que vai resolver [o problema da dívida pública em Portugal]. Não há. O problema foi criado pelo menos nos últimos 20 anos e vai levar muito tempo a ser resolvido", disse Joaquim Sarmento.
O economista respondia a questões colocadas pelas deputadas do PSD e do CDS-PP, que se interrogavam sobre até que ponto é que as instituições europeias, como credores, estariam disponíveis para debater estas medidas, e do PCP, que insistia na necessidade de romper com o tratado orçamental.
Ricardo Paes Mamede afirmou que "não é possível pretender cumprir inteiramente" o tratado orçamental, pagar a dívida, ter uma sociedade mais justa e serviços públicos a funcionar em pleno, simultaneamente.
"É possível e não é um cenário absurdo termos a divida a entrar em trajetória descendente se algumas condições se colocarem: se pusermos de lado grandes ambições de cortes fiscais, se as despesas não subirem muito acima da inflação, o que significa que não há cortes, mas também não há aumentos, se o crescimento não for muito abaixo dos 4% e se a taxa de juro se mantiver em torno dos 3%. Não são condições completamente impossíveis, mas do ponto de vista político será muito difícil, porque as pessoas não sentem muitas alterações nas suas vidas", afirmou o economista do ISCTE.
LUSA