Os venezuelanos estão "tristes, preocupados e confundidos" com a decisão do Governo de eliminar cinco zeros ao bolívar forte para convertê-lo em bolívar soberano e aumentar o salário mínimo mensal de 5,9 milhões para 180 milhões de bolívares.
"Tristeza, preocupação e confusão, são as únicas palavras que existem para descrever o que sentimos. Este deve ser o único país do mundo onde ninguém fica contente com um aumento do salário", explicou uma cidadã à agência Lusa.
Com 55 anos de idade e radicada em Las Delícias, Caracas, Verónica Sánchez, doméstica, casada com um vendedor de água potável, tem dificuldades em entender o que está a acontecer e desabafa: "tiram cinco zeros à moeda e aumentam o salário mínimo entre 35 e 60 vezes, entre 3.200% e 5.900%, dependendo do câmbio que se faça".
Nervosa e com medo que o país "vá além da hiperinflação" usou, nos últimos dias, quase todo o dinheiro que dispunha para comprar vegetais, alimentos e outros produtos.
"Eu acreditava que o país já tinha tocado no fundo, mas agora percebo que não. Na sexta-feira, depois de [o Presidente da República] Nicolás Maduro anunciar o aumento do salário mínimo (de 5,9 milhões, para 180 milhões de bolívares fortes) tive que tomar uma pastilha para a hipertensão e tive dificuldades para dormir", frisou.
Carlos Hernández, 60 anos, carpinteiro, usou a tradicional "linha de crédito paralela" (na Venezuela os bancos oferecem créditos rápidos até ao dobro do valor dos cartões de crédito, sem afetar a disponibilidade dos mesmos) para comprar batatas, cebolas, massa, arroz e aveia, que diz que vão subir de preço e que não se estragam facilmente quando guardados.
"Foi a única coisa que pude fazer, porque com a reconversão monetária e a loucura deste aumento do salário mínimo, obriga a pensar como nos podemos proteger. Mas já gastei as poupanças que estavam a perder valor, enquanto tudo sobe de preço", disse.
Por outro lado, explicou que dentro de semanas acabarão as suas reservas alimentares e terá que "fazer contas à vida" para sobreviver, prevendo que "tudo vai ficar ainda mais difícil do que já era".
A professora de primária Naigualida Salazar, 30 anos, "não tem palavras" para explicar como será o futuro económico do país e diz que a situação a está "a empurrar a fazer o que muitos companheiros e companheiras já fizeram: emigrar para países vizinhos".
"Todos os dias nos assombramos por algo. O aumento do salário é uma provocação. Há um mês e meio que os médicos e enfermeiros protestam e não haviam recursos para aumentar-lhes o salário e agora, de repente, aumentam o salário a toda a gente e o governo vai assumir o pagamento dos salários dos empregados das pequenas e médias empresas por 90 dias. Não há como entender isto", frisou.
O Presidente Nicolás Maduro anunciou o aumento do salário mínimo de 5.196.000 para 180.000.000 bolívares (de 1,14 euros para 39,50 euros), ou seja, 35 vezes mais ao que os venezuelanos recebem atualmente.
O novo salário mínimo, anunciado na sexta-feira à noite, equivale a 1.800,00 bolívares soberanos, a moeda que entrará em vigor a partir da segunda-feira 20 de agosto, data em que a reconversão eliminará cinco zeros do atual bolívar.
"O salário mínimo ficará [fixado] em meio petro (cripto moeda venezuelana), 18.00 bolívares soberanos", disse Nicolás Maduro durante uma intervenção televisiva a partir do palácio presidencial de Miraflores.
Na prática o salário aumenta 3.214%, ou seja, 35 vezes. Os preços dos produtos deixarão também de estar indexados ao dólar, porque essa moeda deixará de ser uma referência no país e será substituída pelo virtual petro.
Como parte das novas medidas, o IVA passará de 12% para 16% e as grandes transações financeiras passarão a pagar entre 0 e 2% de imposto sobre o valor das mesmas.
Entre as medidas anunciadas, o Governo venezuelano assegurou que assumirá, durante 90 dias, o pagamento da diferença do novo salário das pequenas e médias empresas do país.
LUSA