“Já imaginávamos que íamos ter uma percentagem de doentes com insuficiência cardíaca muito superior àquilo que há 20 anos se tinha diagnosticado, até porque a forma de diagnosticar mudou, os critérios mudaram (…) e a população mudou muito. Mas esta magnitude de resultados confesso que não estávamos efetivamente à espera”, disse à Lusa a investigadora principal, Cristina Gavina.
A responsável considerou ainda que estes dados mostram “um problema de saúde pública com uma dimensão muito considerável”, que terá de mudar a forma como se olha para a insuficiência cardíaca em Portugal.
O estudo Porthos, da responsabilidade da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, em parceria com a NOVA Medical School, abrangeu mais de 6.000 pessoas acima dos 50 anos registadas no Serviço Nacional de Saúde (SNS) em Portugal continental e atualizou as estimativas de 1998, que apontavam para uma prevalência que rondava os 400 mil portugueses com insuficiência cardíaca e que hoje chega aos 700 mil.
Sublinhando que a população agora está muito mais envelhecida – com cada vez mais doenças associadas que estão diretamente relacionadas com a insuficiência cardíaca, como a diabetes, a hipertensão e a obesidade -, a responsável apela a uma tomada de medidas urgentes para um diagnóstico mais precoce.
Mostrando surpresa com a incidência da doença apurada neste estudo – que decorreu entre dezembro de 2021 e setembro de 2023 -, a especialista disse que os resultados deixaram os investigadores preocupados: “os portugueses não sabem porque também não estamos a diagnosticá-los”.
“Os próprios médicos de família (…), muitas vezes, também não sabem que estas pessoas podem ter insuficiência cardíaca e não as podem referenciar para outros sítios mais diferenciados, onde se possam fazer os diagnósticos”, admitiu a investigadora, sublinhando que estes médicos estão “muito limitados” nas ferramentas que podem usar para diagnosticar.
Segundo disse, a ferramenta usada neste estudo para perceber se a pessoa poderia ter insuficiência cardíaca – no caso, uma análise a um marcador do sangue – não é comparticipada pelo SNS.
“Numa prática comum, um médico de família em Portugal não tem acesso a este tipo de exames, o que faz, obviamente, com que ele esteja mais limitado naquilo que é a sua capacidade de identificar estas pessoas”, explicou Cristina Gavina.
Lembrou que as próprias sociedades científicas já tinham identificado há anos este exame como sendo uma necessidade, mas até agora não foi considerado uma prioridade.
Com os dados agora revelados, “a coisa muda de figura”: “É mais do que óbvio que estas pessoas precisam [de fazer este exame] quando apresentam os tais sintomas sugestivos, que passam por cansaço com esforço, começar a ter falta de ar durante a noite ou incharem as pernas”, disse.
A especialista recordou que a maior parte dos custos ligados à insuficiência cardíaca em Portugal estão relacionados com os internamentos e que, neste momento, a doença é diagnosticada já numa fase em que se torna mais cara para o sistema.
“Aqui a palavra-chave é prevenção, a dois níveis: um é apostar no controlo dos fatores de risco que podem conduzir à insuficiência cardíaca (..) e outro é poder diagnosticar precocemente os que já têm insuficiência cardíaca”.
Reconhece que muitos destes doentes “são os que já hoje enchem as enfermarias” e que isto representa “uma carga inacreditável no sistema de saúde”.
Um trabalho publicado em 2020 na Revista Portuguesa de Cardiologia estimava que os custos totais da insuficiência cardíaca, por efeitos da evolução demográfica, atingiriam os 503 milhões de euros em 2036. Contudo, na altura a estimativa apontava para a existência de 400 mil portugueses com esta síndrome e os dados hoje revelados quase duplicam este valor (700 mil).
Lusa