“Saímos do país, mas o país não sai de nós”, disse à Lusa Olga Postolenko, divorciada, mãe de dois filhos, que vivia em Kiev, através da tradução de Dmytro Kovalchynskiy, um ucraniano radicado em Leiria, que já atravessou por duas vezes a fronteira para ir buscar refugiados.
Afirma sentir um “misto de emoções”. Apesar de “dormir bem” desde que chegou a Leiria, a ucraniana confessa estar “muito preocupada” com “tudo o que se está a passar na Ucrânia”.
Apesar de não terem sido atacados diretamente, os barulhos das explosões dos ataques em Irpin e do assalto ao aeroporto em Hostomel inquietavam-na. “Percebi que tinha pouco tempo para tomar uma decisão. Para fazer alguma coisa, tinha de ser naquele momento ou então já não conseguiria sair do país”, conta.
Ao quarto dia da guerra, Olga Postolenko saiu de Kiev, com os filhos, a cadela, os pais, a avó e duas gatas. Ao chegarem a Kalynivs’ke, após cerca de sete horas de viagem e de atravessarem vários postos militares, a avó ficou “cansada”. “Tem 80 e tal anos”, explica.
Pais e avó não avançaram. Olga, os filhos e a cadela rumaram à Roménia. Foi aí que começaram a ouvir “o barulho das explosões”.
Garante que "foram muito bem tratados" e que lhes deram comida e roupa, tendo inclusive acolhido muito bem o seu animal de estimação. Dias depois estavam num autocarro rumo a Leiria.
Instalada no Centro de Acolhimento Temporário de Leiria, no Estádio Dr. Magalhães Pessoa, não pensa para já no futuro. “Só quero ter os bens de primeira necessidade”, desabafa.
“Tudo está mais calmo”, diz, exemplificando com o barulho das crianças a “’partir’ as paredes do estádio”, brinca, referindo-se às trocas de bola que acontecem no átrio em frente ao seu camarote.
Apesar de já conseguir dormir, quando acorda em frente ao verde do relvado, que fica mais intenso com o sol a brilhar, Olga Postolenko confessa: “Está tudo bonitinho, mas começo a pensar na Ucrânia, como é que está agora e como é que o país vai aguentar com tanta coisa ao mesmo tempo. O mundo deveria estar todo como Portugal: tranquilo”, sublinha.
Entrar no piso dos camarotes do Estádio Municipal de Leiria faz esquecer que estamos numa infraestrutura desportiva. À saída dos elevadores ouvem-se os risos e as brincadeiras das crianças. Há uma televisão a transmitir desenhos animados e um quadro a giz, onde portugueses filhos de ucranianos ajudam a integrar os novos amigos.
O bar foi transformado em cozinha e o novo lar de quem deixou tudo para trás procura fazer esquecer o trauma, o medo e a angústia.
“Quando começamos a perceber que isto ia ter esta dimensão, não hesitámos em encarar este novo desafio com o objetivo de receber e integrar ucranianos que possam vir para Leiria. A primeira coisa que pedi [funcionários] foi: ‘imaginem que isto era um hotel, como é que vocês o decoravam?”, adianta à Lusa o presidente da Câmara de Leiria, Gonçalo Lopes (PS).
A vontade da equipa da autarquia superou as expectativas do presidente. “Estou muito agradecido. De facto, capricharam muito. Chegaram ao pormenor de colocar as camas com ‘edredons’ e lençóis da mesma cor da bandeira da Ucrânia”, exemplifica.
“Hoje, felizmente, ao fim de 25 anos de integração da comunidade ucraniana em Leiria, temos já muitos descendentes de ucranianos que são peças muito importantes para a nossa estratégia de desenvolvimento, uma vez que têm muito talento nas mais diversas áreas”, acrescenta Gonçalo Lopes.
Por isso, afirma, “além do caráter solidário humanitário há também aqui um pagamento por aquilo que foi a valorização, o crescimento e o desenvolvimento que este povo teve na região”.
Cada pessoa carrega uma história de vida. Gonçalo Lopes adianta que “cada caso impressiona”. “O primeiro casal, uma mãe e filho, ficaram muito agradecidos pelo apoio que lhes ofereceremos e estavam cheios de medo. Chegam todos com muito receio”, conta.
O autarca constata ainda que a adaptação do município também tem sido diária. “O estádio estava a ser pensado só para pessoas e agora também recebe animais domésticos. Esta relação que têm com os animais domésticos, para nós e também para mim em particular, é uma novidade”, salienta.
Uma das situações que impressionou Gonçalo Lopes foi a história de um menino que ficou assustado ao ouvir a passagem de um F-16 nos céus de Leiria, dada a proximidade com a Base Aérea de Monte Real. “A criança ficou assustada com o ambiente que viveu de bombardeamentos na Ucrânia. É um momento em que nós temos que pensar: e se fosse um português que estivesse nessa posição? Não gostávamos que outro país nos ajudasse neste momento de aflição?”, remata.