A iniciativa "Zero-G Portugal – Astronauta por um Dia", que junta estudantes entre os 14 e os 18 anos que foram selecionados após provas eliminatórias, é promovida pela Portugal Space, que pretende incentivar os mais novos para a área do espaço, "assegurar o futuro do espaço a nível nacional", segundo Hugo André Costa, membro da direção da agência espacial portuguesa.
O voo, com partida e regresso à Base Aérea n.º 11, da Força Aérea Portuguesa, é operado pela empresa francesa Novespace, subsidiária da agência espacial francesa (CNES).
Fundada e presidida pelo ex-astronauta Jean-François Clervoy, que faz questão de acompanhar os voos, a Novespace realiza voos parabólicos com fins científicos (para as agências espaciais europeia, francesa, alemã e japonesa) e para o público em geral (um voo a título particular pode custar por pessoa 6.900 euros e já há lotação esgotada para fevereiro de 2023).
Na prática, o voo fretado pela Portugal Space, que será feito por um avião Airbus A310, propriedade da Novespace, vai simular a ausência de gravidade que existe no espaço a partir de manobras de ascensão e queda-livre (parábolas) executadas pela aeronave que vão permitir aos passageiros flutuar no seu interior em ciclos de cerca de 20 a 25 segundos.
Para o voo foram reservadas três horas, em parte destinadas à preparação da tripulação e passageiros, mas apenas serão executadas 15 parábolas de um minuto cada, que irão simular um total de cinco a seis minutos de gravidade zero, a que os astronautas estão sujeitos quando trabalham e vivem na Estação Espacial Internacional, mas durante meses.
Durante o voo, o Airbus irá sobrevoar a costa portuguesa e manter-se numa zona do espaço aéreo fechada a outros voos, que pode ser mais a norte ou a sul do território continental consoante o estado do tempo.
Pedro da Silva Costa, militar da Força Aérea que trabalha na Portugal Space para a área da Defesa, explicou à Lusa que, se as condições meteorológicas forem favoráveis, o avião sobrevoará ao largo de Monte Real e fará as manobras numa zona onde normalmente treinam os caça F16. Caso contrário, a aeronave rumará "abaixo do Algarve", para uma zona que por hábito está reservada a exercícios de meios aéreos e navais.
Os voos parabólicos (a par dos treinos debaixo de água) são praticamente o único meio na Terra capaz de reproduzir o efeito da ausência de gravidade ou microgravidade com pessoas. O que permite gerar no ar este efeito são, precisamente, as parábolas que o avião descreve.
Silva Costa adiantou que o avião efetua primeiro uma subida vertiginosa de aproximadamente 7.600 metros de altitude, gerando durante 20 segundos uma aceleração 1,8 vezes a da gravidade no solo. Nesta altura, os passageiros vão sentir-se mais pesados, como se tivessem quase o dobro do seu peso.
Depois, um dos pilotos reduz o impulso do motor da aeronave praticamente a zero, fazendo com que descreva uma parábola.
A aeronave continua a subir até atingir o ponto de inflexão da parábola, a 8.500 metros de altitude, e depois começa a descer.
"A descida demora cerca de 20 segundos, durante os quais os passageiros flutuam devido à ausência de peso criada pela queda-livre do avião", esclareceu o militar, acrescentando que um dos pilotos acelera de novo, os passageiros voltam a sentir-se pesados e o avião "retoma o voo horizontal estável" quando "o ângulo com a horizontal atinge os 45º".
O avião executa 15 vezes estas manobras. A bordo seguem três pilotos: um controla o ângulo de subida e descida do "nariz" da aeronave, outro domina o movimento de rotação para manter as asas horizontais e um terceiro, sentado atrás dos dois primeiros, controla a velocidade do motor, avisos, temperaturas e pressão.
Além da diversão que proporcionam, os voos parabólicos "são cruciais na preparação de experiências, equipamento e astronautas e permitem que as experiências dos cientistas sejam testadas antes de seguirem numa missão espacial", assinalou Pedro da Silva Costa.
À iniciativa "Zero-G Portugal – Astronauta por um Dia", dirigida a estudantes entre os 14 e os 18 anos de todo o país, concorreram 460 jovens, um número que "superou as expectativas", de acordo com Hugo André Costa, da direção da Portugal Space, que espera o dobro dos candidatos em 2023, ano em que será feito um novo voo parabólico.
Mimetizando à microescala o processo de recrutamento de astronautas, a seleção dos 30 jovens, metade dos quais raparigas, teve várias fases, incluindo exposição das motivações, provas de perceção e interpretação do espaço, de aptidão física e entrevista. Depois de selecionados, os "eleitos" ainda tiveram de se submeter a exames clínicos para obterem o certificado de aptidão médica exigido para o voo.
Um dos "eleitos" foi Ricardo Martins, 15 anos, de Vila Verde, no distrito de Braga. Soube da "excelente iniciativa" da Portugal Space pela televisão antes de ir para a escola.
Decidiu concorrer atraído pela temática do espaço, que sempre o fascinou "desde muito novo", e estimulado pelas fases do processo de seleção, "todas elas desafiantes e enriquecedoras", como se em causa estivesse a seleção de astronautas.
O jovem não pretende ser astronauta, mas antes "gostava de seguir engenharia aeroespacial", inspirado na ideia de que, tal como os navegadores portugueses revelaram novos mundos durante a época dos Descobrimentos, o "espaço e o desvendar do mistério à sua volta pode elevar o nome de Portugal" novamente.
Encara com "bastante entusiasmo e ansiedade" o voo de sexta-feira e quer aproveitá-lo "ao máximo", ver como o seu corpo reage e fazer experiências a bordo.
Foi também pela televisão, "em casa, com a família", que Maria Matias Neto, 17 anos, de Vagos, no distrito de Aveiro, teve conhecimento da iniciativa. Despertou-lhe a atenção, foi saber mais, inscreveu-se.
No final, ficou "bastante feliz e aliviada" quando soube que tinha sido selecionada. O voo parabólico "vai ser uma coisa incrível, uma experiência que não se volta a repetir" tão depressa.
"Tenho de aproveitá-la muito bem", disse a jovem à Lusa, que demoveu o interesse de ser astronauta, que implicava estar muito tempo longe da família, a favor da engenharia aeroespacial.
Ao promover a "Zero-G Portugal – Astronauta por um Dia", a agência espacial portuguesa espera que os 30 jovens sejam este ano letivo "embaixadores" da iniciativa nas escolas, que relatem e divulguem a experiência que tiveram junto de colegas e professores, "contribuindo para cultivar e estimular o interesse pelo espaço".
Os astronautas também participam em ações de divulgação quando regressam das suas missões, sendo uma das tarefas do seu trabalho, a par das saídas para o espaço.
Na quinta-feira, véspera do voo, o astronauta alemão Matthias Maurer, 52 anos, vai partilhar a sua experiência numa palestra em Beja. Matthias Maurer, astronauta da Agência Espacial Europeia (ESA), regressou em 06 de maio depois de uma estada, a primeira, na Estação Espacial Internacional, onde durante seis meses executou vários trabalhos científicos.
Lusa