Segundo o acórdão assinado pela juíza Ana Paula Conceição, a que a Lusa teve acesso, “o modus operandi seguido não configura uma atividade rudimentar, antes se mostrando revelador de alguma determinação criminosa, pois que os arguidos agiram reiteradamente (ainda que o arguido Paulo Gonçalves no âmbito de uma única resolução criminosa)”.
Em relação ao antigo dirigente do Benfica, condenado a dois anos e seis meses de pena de prisão, suspensa na execução, por um crime de corrupção ativa, o tribunal entendeu que o arguido foi “o elemento preponderante que desencadeou toda a sequência de crimes” e que este tinha consciência dos atos, rejeitando a tese de que a oferta de bilhetes ou merchandising fosse apenas uma prática habitual quando tal ocorre “sempre com um mesmo destinatário e de forma reiterada”.
“As ofertas eram feitas inicialmente para que o arguido José Augusto Silva fosse depois permeável aos seus pedidos, como se constatou que foi, o que foi sucedendo também depois de aquele ter aceitado fazer os acessos que lhe foram solicitados, aí já a título de verdadeira contrapartida pelos atos por aquele praticados. E existindo corrupção, ela é para a prática de ato ilícito”, lê-se na decisão.
A juíza chegou inclusivamente a estimar que a oferta por Paulo Gonçalves de quatro convites para 20 jogos numa época a José Augusto Silva, pelos quais o funcionário judicial pagaria cerca de 50 euros por cada ingresso caso tivesse de os comprar, equivaleria a um privilégio avaliado em 4.000 euros em apenas um ano.
“A conduta do arguido Paulo Gonçalves é ilícita, porque contrária à lei, sendo que o mesmo agiu com consciência da ilicitude da sua conduta e se motivou de acordo com essa consciência, pelo que atuou também de forma culposa”, notou a juíza, explicando que, ao condenar o ex-assessor jurídico do Benfica por corrupção ativa, este não poderia ser simultaneamente condenado como coautor ou instigador dos crimes praticados por José Augusto Silva.
Já para José Augusto Silva, o acórdão considerou como provados os acessos informáticos ao Portal Citius, sublinhando que “da análise aos processos acedidos resulta que na sua maioria eram processos que interessavam ao arguido Paulo Gonçalves, quer por o Benfica estar diretamente envolvido ou pessoas ligadas ao clube, quer porque respeitassem a clubes rivais”.
Entre os processos que foram consultados encontram-se o ‘Football Leaks’, que tem Rui Pinto como principal arguido; o caso dos ‘vouchers’, denunciado pelo ex-presidente do Sporting Bruno de Carvalho; ou o caso dos emails. Sem deixar de admitir que haveria interesse de Paulo Gonçalves em ter acesso a informações dos processos para eventual benefício do Benfica, o tribunal considerou que a concretização de possíveis vantagens não ficou demonstrada.
“Com os acessos pretendeu-se ter conhecimento de atos processuais e do andamento de processos, seguramente que não por mera curiosidade, mas para, de algum modo, ter conhecimento dos factos, utilizar a informação contra outros clubes rivais ou em benefício do Benfica. Mas de que modo isso seria concretizado, não pode o tribunal fazer afirmações suportadas em especulação”, refere o acórdão.
Paulo Gonçalves, antigo assessor jurídico da SAD do Benfica, estava acusado de seis crimes de violação do segredo de justiça, 21 de violação de segredo por funcionário, nove de acesso indevido, nove de violação do dever de sigilo, em coautoria, além de um crime de corrupção ativa, dois de acesso indevido e dois de violação do dever de sigilo, tendo sido punido apenas pelo crime de corrupção ativa.
José Augusto Silva foi condenado pela prática de um crime de corrupção passiva, seis de violação de segredo de justiça, nove de acesso indevido, nove de violação do dever de sigilo, 28 de acesso ilegítimo e um de peculato, com o tribunal a deixar de fora apenas 21 crimes de violação de segredo por funcionário. Por sua vez, Júlio Loureiro foi absolvido do crime de corrupção passiva.
O caso E-toupeira remonta a 2018, quando o MP acusou o antigo assessor jurídico do Benfica Paulo Gonçalves, os funcionários judiciais José Augusto Silva e Júlio Loureiro e a SAD do Benfica de vários crimes. Contudo, em dezembro desse ano, a decisão instrutória acabou por não pronunciar para julgamento a SAD ‘encarnada’.