"A mudança nas condições de trabalho que a pandemia veio provocar poderá ter duas consequências benéficas: aumentar o número de filhos que cada família decide ter e aumentar a produtividade de cada colaborador, por permitir que estes poupem imensas horas em deslocações, reduzam o stress e tenham uma maior satisfação global com o emprego", refere a autora, Carla Henriques, docente do CBS.
De acordo com o estudo, antes da pandemia eram os trabalhadores a tempo parcial que se imaginavam a expandir a família, contrariamente ao que acontecia com quem trabalhava mais horas.
"Antes da pandemia, os profissionais indicavam ser muito difícil criar uma harmonia entre o trabalho e a vida pessoal, uma vez que chegavam a casa esgotados com o ritmo e o stress da rotina dos empregos presenciais e das pendulações casa-trabalho", salienta Carla Henriques.
No futuro, quando os constrangimentos da pandemia forem ultrapassados, a investigadora do CBS considera provável que muitos dos trabalhadores negoceiem com as suas empresas e passem a ter boa parte da sua atividade profissional em teletrabalho.
"Muitas vezes, para conseguirem progredir nos seus empregos e obterem uma maior progressão salarial, muitas pessoas – sobretudo mulheres – optavam por ter só uma criança ou, pura e simplesmente, decidiam não ter filhos", frisa a autora do estudo.
A CBS salienta que o índice de fecundidade na Europa reflete até hoje esta tendência, com uma constante diminuição do número de nascimentos nas últimas décadas, em que nenhum país europeu atinge o número mínimo de filhos por mulher em idade fértil (2,1) que permita a renovação de gerações.
Portugal continua a ser um dos países com os números mais baixos (1,38) neste capítulo.
Segundo Carla Henriques, a mudança de paradigma provocada pela massificação do teletrabalho pode alterar estes comportamentos.
De acordo com a investigadora, quando a massificação do teletrabalho ainda não era a realidade diária de centenas de milhões de europeus, eram os trabalhadores a tempo inteiro que se mostraram mais insatisfeitos em todas as categorias de análise, comparativamente aos que trabalham a meio-tempo.
"Foi muito interessante percebermos que os níveis de bem-estar dos trabalhadores a tempo parcial eram superiores, mesmo reconhecendo que a sua situação era mais penalizadora em termos profissionais", afirma.
Carla Henriques salienta que, "com as condições de trabalho a tempo inteiro em regime presencial, os trabalhadores consideravam insustentável terem mais do que um filho, por sentirem que não tinham tempo para se dedicarem às crianças e à sua educação".
"Como o teletrabalho pode contribuir para o aumento de produtividade, crescimento da natalidade e aumento do bem-estar dos trabalhadores, será fundamental que todas as partes assumam as suas responsabilidades neste processo, desde a sua regulamentação às políticas de incentivo", sublinha.
Para a autora do estudo, é da competência das empresas e entidades patronais a delineação de estratégias que sejam eficientes na inversão da tendência anterior, "mas também cabe aos Estados produzirem leis que protejam os trabalhadores e contribuírem com medidas de apoio às empresas e às famílias".
Publicado no Journal of Economic Analysis and Policy, o estudo "Getting a balance in the life satisfaction determinants of full-time and part-time European workers" avaliou o bem-estar dos trabalhadores a tempo inteiro e a tempo parcial.
O modelo baseou-se em quatro critérios de análise: satisfação com a educação, trabalho atual, vida familiar e vida social. Os dados foram recolhidos pelo European Quality of Life Survey – European Foundation for the Improvement of Living and Working Conditions.
Além de Carla Henriques, da CBS, o estudo envolveu também os investigadores Oscar Marcenaro Gutierrez e Luís Lopez-Agudo, da Universidade de Málaga.