“Numa primeira análise devo dizer que estamos seriamente preocupados com essa proposta” apresentada este sábado pelo Ministério da Saúde, disse à agência Lusa Jorge Roque da Cunha.
Desde logo, continuou, porque “vai ao arrepio daquilo que foi dito na última reunião negocial” e “há um sentimento de deceção, porque, como é evidente, se a situação se mantiver, como tem estado (…) a situação vai agravar-se”.
“Parece-me que o Governo está totalmente insensível em relação ao que está a ocorrer em todo o país, na dificuldade nas escalas de urgência, das consultas externas e das cirurgias que são adiadas e no número de utentes sem médico de família”, acusou.
O sindicalista acusou o Governo de não aproveitar a disponibilidade apresentada pelo SIM e pela Federação dos Médicos de uma “cedência importantíssima que era a calendarização de três aspetos que ocorreram no período da troika”.
“Na transição, de uma forma faseada, para 35 horas de trabalho, tal como todos os funcionários públicos; diminuição da carga de urgência na carga de trabalho, permitindo, dessa forma, criar condições para que as cirurgias programadas e as consultas faça, claramente, uma menor pressão junto da urgência e, ao mesmo tempo, fazer uma reposição salarial, também faseada no tempo”, enumerou.
Permitir-se-ia desta forma, continuou, “criar estas três condições para que os médicos deixem de sair do Serviço Nacional de Saúde” como aconteceu em 2022, quando “cerca de 1.100 rescindiram" e, este ano, "espera-se a reforma de 1.200”.
“Esta preocupação é fundada, é uma preocupação muito responsável, porque abdicamos de exigir imediata reposição e, pelos vistos, o Governo não tem essa perceção”, alertou.
E acrescentou: “Quando se coloca a questão de diminuir a carga de trabalho, nomeadamente em relação à exigência no horário de trabalho de serviço de urgência, nós, ao mesmo tempo garantimos que os médicos continuam a fazer as 24 horas de urgência por semana até ser necessário”.
Para mais uma reunião negocial com o Governo, marcada para as 16:00 de hoje, Jorge Roque da Cunha adiantou que, juntamente com os colegas da Federação dos Médicos, está a ser trabalhada uma contraproposta ao que foi apresentado.
No documento enviado pelo Governo aos sindicatos dos médicos, a que a Lusa teve hoje acesso, entre outros, o Ministério da Saúde destaca que a redução do horário de trabalho dos médicos e do número de horas de atividade no serviço de urgência "não pode significar a diminuição de acesso a cuidados de saúde e da capacidade de resposta do SNS [Serviço Nacional de Saúde]".
O executivo cede à reivindicação das 35 horas de trabalho semanais, mas coloca condições para não pôr em causa o atendimento no SNS. Se for aceite, a medida abrangerá de imediato os médicos dos serviços de urgência, sendo depois gradualmente aplicada a todos os outros.
"Esperamos ter condições para evoluir, em conjunto, na direção de um acordo que, constituindo uma valorização da profissão médica e melhoria das condições de trabalho das equipas clínicas permita, em simultâneo, melhorar a capacidade de resposta do SNS. É isso que os portugueses nos exigem!", acrescenta.
As negociações entre o Ministério da Saúde e o SIM e a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) iniciaram-se em 2022, mas a falta de acordo tem agudizado a luta dos médicos, com greves e declarações de escusa ao trabalho extraordinário além das 150 horas anuais obrigatórias, o que tem provocado constrangimentos e fecho de serviços de urgência em hospitais de todo o país.
Esta situação levou o diretor executivo do SNS, Fernando Araújo, a avisar que se os médicos não chegarem a acordo com o Governo, novembro poderá ser o pior mês em 44 anos de SNS.
Lusa