Numa altura em que a morte medicamente assistida está em discussão no parlamento, com o debate de quatro leis para despenalizar esta prática na terça-feira, a Lusa tentou fazer um retrato do fenómeno em Portugal.
Para o fazer legalmente, há portugueses a recorrer à eutanásia, mas no estrangeiro, na Suíça, por exemplo.
A Dignitas, uma associação com sede na Suíça, defende uma “abordagem integrada” quanto ao problema do fim da vida, combinando “cuidados paliativos, prevenção do suicídio”, além de apoio psicológico, e que pode terminar na morte medicamente assistida.
Na prática, apesar de ser associada à morte medicamente assistida, a associação salientou, em vários momentos da sua resposta, por email, à Lusa, que tem um trabalho “muito mais abrangente”, com base no aconselhamento e na procura de alternativas a uma vida digna e com conforto.
A Dignitas afirmou que tinha, em 2017, 25 associados portugueses, o que, sublinhou, não quer dizer que todos queiram recorrer à morte assistida, dado que alguns são considerados apoiantes da causa.
Desde 2009, a associação da Suíça, país onde a morte assistida está regulada, tem registadas cinco pessoas com nacionalidade portuguesa que tiveram a sua ajuda para morrer.
De resto, este país europeu, onde se admite que poderá existir suicídio assistido se for praticado por um doente terminal em sofrimento intolerável e irreversível, foi onde nasceu também a Exit International, movimento pró-eutanásia fundado pelo australiano Philip Nitschke, conhecido por “Dr. Morte”.
O movimento, criado em 2008, não respondeu às perguntas da Lusa, mas a revista Visão noticiou, em 2017, que a Exit International tinha pelo menos 30 registos em Portugal, admitindo Philip Nitschke que foram enviados produtos e que, “provavelmente sim”, alguns portugueses tenham morrido com os chamados “peacefull pill” (droga tranquila).
A venda deste tipo de medicamento é ilegal em Portugal, dado que foi proibida há já alguns anos. Mas, na Internet são muitos os ‘sites’ onde é possível encomendar, com cartão de crédito, a substância para morrer.
Contactada pela Lusa, a Polícia Judiciária (PJ) informou que não existe qualquer investigação em curso sobre compra ou venda ilegal desse tipo de medicamento que chega a atingir centenas de euros no mercado negro.
E se não há memória de julgamentos recentes de eutanásia nos tribunais portugueses, o mesmo não se pode dizer da investigação de processos.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) tem números: em 2015 e 2016, foram abertos 76 processos, mas a esmagadora maioria deles, mais de 90% (70 processos), foi arquivada.
Em 2015, foram registados dois inquéritos por homicídio privilegiado e um foi arquivado. O crime de incitamento ou ajuda ao suicídio esteve na base de 34 inquéritos registados nesse ano, tendo sido arquivados 31.
Em 2016, registou-se um inquérito por homicídio privilegiado e o crime de incitamento ou ajuda ao suicídio voltou a estar na base de 39 inquéritos, tendo sido arquivados 38.
A morte ou suicídio assistido é, em Portugal, uma realidade quase subterrânea, mas revelada, de forma muito parcial, pelas estatísticas das autópsias no Instituto de Medicina Legal.
Os números são reduzidos, segundo dados fornecidos à Lusa pelo Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses (IMLCF), através do Ministério da Justiça quanto ao pentobarbital, uma das substâncias associadas aos medicamentos usados no suicídio assistido e que, em Portugal, só é permitida em veterinária.
Desde 2009, quando foi introduzida uma plataforma LIMS que permite ter informação estatística atualizada sobre processos e exames realizados e pendentes, o IMLCF identificou “a presença de pentobarbital em dez casos”.
“Em cinco destes casos havia alguma informação sugestiva de se tratar de administrações voluntárias (suicídio)”, lê-se na informação do instituto.
E há médicos que já praticaram a morte medicamente assistida em Portugal? A consulta dos arquivos de jornais revela alguns casos.
Em abril de 2016, a revista Sábado publicou, com o título “Sim, matei quatro pessoas e defendo a eutanásia”, o depoimento de um médico, não identificado, em que descreve como ajudou a morrer uma amiga, em sua casa. Ela e mais três pessoas, incluindo “um dos [seus] melhores amigos”.
Laura Ferreira dos Santos, que dedicou parte da sua vida à reflexão, investigação e intervenção em torno das problemáticas do fim de vida, tendo publicado em 2009 o livro “Ajudas-me a morrer?”, foi uma das fundadoras do movimento Direito a Morrer com Dignidade, que deu origem à petição discutida no parlamento, no ano passado.
Doente oncológica, num depoimento à Visão, há dois anos, equacionava usar o medicamento letal. Morreu em dezembro de 2016.
LUSA