De acordo com Lucinda Fonseca, do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT) da Universidade de Lisboa, a pandemia de covid-19 tornou “muitíssimo mais difícil” o processo de regularização e emprego, mas no sistema educativo é notória a presença de crianças nepalesas nos últimos anos.
“É outra forma de se detetarem. De acordo com a lei portuguesa, mesmo que estejam em situação de indocumentados, eles têm de ser aceites no sistema de ensino e portanto nota-se um grande crescimento”, referiu a docente e investigadora.
De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), os cidadãos oriundos do Nepal com “estatuto de residente” passaram de 7.435 em 2017 para 21.013 em 2020 (+183%), não havendo ainda dados disponíveis para 2021, nem para os primeiros meses deste ano nesta fonte.
Em 2010, havia apenas 796 nepaleses com estatuto de residente em Portugal. Também do Bangladesh e da Índia tem havido um crescimento contínuo.
A diversidade de fluxos migratórios hoje em dia é “efetivamente muito maior do que era no passado”, reconheceu Lucinda Fonseca, atribuindo o fenómeno ao acesso à informação, nomeadamente através das redes sociais, e à formação de redes de recrutamento, “não necessariamente ilegais”, embora haja um problema de exploração a combater.
“Tem-se falado muito no caso de Odemira, mas há outras áreas do Alentejo onde isso acontece, em que cada vez mais o recrutamento de mão de obra se faz por essa via, onde já estão alguns imigrantes estabelecidos que fazem essa ligação com outros países”, apontou a professora catedrática.
“Hoje temos um processo de recrutamento que é muito mais complexo e que se baseia numa organização que nada tem a ver com aquilo que acontecia no passado e, portanto, as pessoas vêm cada vez de mais longe”, observou Lucinda Fonseca, que estudou as primeiras vagas de imigração indiana para Portugal.
Segundo a investigadora, Portugal está numa trajetória de entrada para outros países. Mas mesmo que não seja o destino final desejado, a decisão pode ser alterada a meio do processo migratório, em função das condições de sobrevivência que os imigrantes encontrarem no país.
O inverso também funciona, na opinião do geógrafo Jorge Malheiros, segundo o qual Portugal tem uma legislação, em termos de regularização, “das mais avançadas da Europa, do ponto de vista humanitário”.
Especialista em Geografia Humana, Jorge Malheiros apontou três fatores que estão a contribuir para a atual vaga de imigração, começando pelo facto de Portugal ter atividades económicas que vão recrutar diretamente pessoas à Ásia do sul, como a agricultura, “através de determinadas redes vão recrutar ao Nepal e à índia”.
O desenvolvimento de negócios por imigrantes já instalados, das mercearias aos restaurantes, tem vingado na sociedade portuguesa e atraído outros cidadãos da mesma origem, num efeito multiplicador, assinalou Jorge Malheiros.
Para o investigador, a imigração para Portugal desde 2015-2016 tem sido marcada pelos antípodas: de um lado cidadãos comunitários que se instalam com proveitos fiscais e capacidade económica e do outro a imigração do sul da Ásia.
“Após 2015, temos uma imigração de cidadãos europeus, de outros países da União Europeia (…) assistimos a um crescimento do número de franceses, britânicos, nórdicos (vários), italianos, (muitos)”, exemplificou.
Tem também crescido, frisou, um movimento específico, com tendência para aumentar: o de refugiados.
“Faz parte da mudança nestes últimos tempos, nos últimos quatro, cinco anos, uma maior presença e com mais visibilidade de pessoas a beneficiarem de proteção internacional”, indicou o investigador, sublinhando que a guerra na Ucrânia vai acentuar este panorama.
Lusa