“O artista Pedro Abrunhosa e a Sons em Trânsito solicitam um posicionamento ao governo português sobre este assunto. Compreendemos que a Embaixada da Rússia não entenda facilmente o significado de liberdade de expressão, mas não deixa de ser inédito e muito preocupante que um cidadão português, em Portugal, seja assim intimidado por uma representação diplomática estrangeira”, lê-se num comunicado hoje divulgado pela agência e produtora de espetáculos Sons em Trânsito.
A Embaixada da Federação Russa na República Portuguesa publicou esta semana, no seu ‘site’, um “comentário”, motivado pelas “declarações inaceitáveis do cantor Pedro Abrunhosa”, no dia 02 de julho, num concerto em Águeda.
A representação russa dá conta que “tem recebido cartas dos compatriotas russos zangados que afirmam estar chocados pelo comportamento dum dos famosos cantores portugueses Pedro Abrunhosa”.
“Durante o concerto no festival AgitÁgueda 2022 ele se permitiu dizer várias coisas grosseiras e inaceitáveis sobre os cidadãos da Federação da Rússia, bem como os seus mais altos dirigentes. Além disso, Pedro Abrunhosa incentivava em êxtase os espectadores, entre os quais os russos que também pagaram os bilhetes, que repetissem o que estava a gritar, tendo no final expressado o desejo que as palavras dele fossem ouvidas em Moscovo”, relata a embaixada.
Durante o concerto, disponível na íntegra na plataforma Youtube, Pedro Abrunhosa falou sobre a guerra na Ucrânia, antes de começar a cantar o tema “Talvez Foder”, no qual aborda questões como a guerra, a fome e o fascismo.
“Não podemos, nem vamos esquecer, que a Europa vive uma guerra. E a guerra mais estúpida de todas, uma guerra perfeitamente evitável, uma guerra de ódios, uma guerra em que famílias como as nossas todos os dias têm que fugir”, afirmou na altura.
O músico lembrou que também “há quem não fuja, e numa ilha da Ucrânia um marinheiro respondeu a um apelo de um barco russo dizendo: ‘Barco russo, go fuck yourself’, que é como quem diz ‘russian boat …’, que é como quem diz ‘Vladimir Putin, go fuck yourself’”.
“Este grito hoje tem que se ouvir em Moscovo e em Kiev”, disse.
A embaixada russa, no comunicado, faz saber que as palavras do músico português, “indignas do homem de cultura que ainda por cima representa o país, que está a se manifestar abertamente contra qualquer tipo de ódio e discriminação, foram ouvidas” e que “as respetivas conclusões serão tiradas”.
Pedro Abrunhosa e a Sons em Trânsito consideram que a embaixada quis dizer que a voz do artista “se ouviu nos corredores do poder russo e que as autoridades daquele país ficarão atentas às atividades do músico”.
“Também as vozes das crianças, das mulheres e dos cidadãos ucranianos e russos mortos nesta guerra injustificável se fazem ouvir em todo o mundo, e compete aos cidadãos, mormente aos artistas, fazer com que a barbárie não caia na normalização”, contrapõem.
No comunicado, a embaixada refere ainda que os “gritos vergonhosos” de Pedro Abrunhosa “enquadram-se em mais de que um artigo da legislação penal portuguesa, sendo que neste contexto informámos através dos canais diplomáticos os órgãos competentes de aplicação da lei”.
“A Embaixada da Rússia continua a vigiar os interesses dos cidadãos russos residentes em Portugal, e nenhumas provocações ignóbeis contra eles ficarão sem resposta”, conclui.
Já Pedro Abrunhosa, que deseja “a obtenção da Paz o mais rapidamente possível para o povo ucraniano e o povo russo”, garante que irá continuar “a utilizar a sua voz e a sua visibilidade para esse fim, ou para outras causas que lhe pareçam justas, sempre que assim o entender”.
A Rússia lançou em 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que já matou mais de 5.100 civis, segundo a ONU, que alerta para a probabilidade de o número real ser muito maior.
A ofensiva militar russa causou a fuga de mais de 16 milhões de pessoas, das quais mais de 5,9 milhões para fora do país, de acordo com os mais recentes dados da ONU.
A organização internacional tem observado o regresso de pessoas ao território ucraniano, mas adverte que estão previstas novas vagas de deslocação devido à insegurança e à falta de abastecimento de gás e água nas áreas afetadas por confrontos.
Também segundo as Nações Unidas, mais de 15,7 milhões de pessoas necessitam de assistência humanitária na Ucrânia.
A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas e políticas a Moscovo.
Lusa