Jorge Amil Dias disse à Lusa que “neste momento não [há dados novos]” que fundamentem uma alteração da estratégia para aquele grupo e ressalva que, quando se fala em aumento de casos pediátricos de covid-19, “é exatamente disso que se trata: casos, e não doentes".
“Os números que têm sido divulgados de crianças, nomeadamente dos zero aos nove anos (…), são crianças identificadas não em internamento hospitalar, não em cuidados intensivos, mas, seguramente na sua grande maioria, por testagem nas escolas, porque houve um menino, uma empregada ou um professor que foi positivo”, disse o presidente do órgão consultivo da Ordem dos Médicos.
É no grupo etário entre os zero e os dez anos (cerca de dez por cento da população portuguesa) que se tem verificado a “mais elevada” incidência cumulativa a 14 dias (298 casos por cem mil habitantes) de casos de infeção com o coronavírus SARS-CoV-2, segundo o último relatório de monitorização das linhas vermelhas para a covid-19, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge.
Jorge Amil Dias notou que “estes números não refletem gravidade de doença, nem refletem grande número de doentes”, exemplificando que, se fossem feitos rastreios à bactéria que causa amigdalites e pneumonias, também se encontraria muitos positivos, sem estarem doentes ou a precisarem de tratamento.
Os testes que resultaram no aumento dos números não foram feitos, na “esmagadora maioria”, porque as crianças estavam doentes. “Fizeram-no ou porque [as crianças] andam a espirrar e têm tosse ou têm febre e alguém achou que era prudente fazerem o teste, ou por mero rastreio epidemiológico”, ressalvou o pediatra.
“Aquilo de que precisamos é de tratar pessoas que estão doentes”, focalizou, notando que a “moda” da covid-19 está a desviar a atenção de “doenças severas nas crianças, que não fazem títulos de jornais”. Esta “desproporção” está a consumir recursos, quer humanos, quer financeiros, com um efeito “inapropriado”, considerou.
O estudo entretanto realizado em crianças dos cinco aos 11 anos – em avaliação pela Agência Europeia do Medicamento (EMA, na sigla em inglês), que deverá pronunciar-se sobre o tema na quinta-feira – mostra apenas que, quando se inocula o antigénio, ao fim de algum tempo há produção de anticorpos.
O estudo “só avaliou se as crianças desenvolveram anticorpos”, destacou o pediatra. “Não mostrou que esta população ficava mais protegida, não mostrou que tinha diminuído a contagiosidade ou que tinha alterado a epidemiologia”, distinguiu, notando ainda que, “em termos populacionais, é um estudo pequeno [cerca de 2.400 crianças]”.
Assim, “qualquer outra extrapolação deste estudo é um abuso científico, porque não foi esse o objetivo, nem os números têm dimensão para o demonstrar”, ressalvou.
Jorge Amil Dias contestou ainda o argumento de “quebrar a cadeia de transmissão” e recordou, a propósito, a vacinação dos adolescentes: o facto de estarem vacinados na sua grande maioria não impediu que, em 17 de novembro, houvesse “mais 4.118 casos” do que no mês anterior, demonstrando que “a vacina não impede a transmissão, nem a aquisição do vírus”.
“A vacina tem sido muito eficaz a evitar mortalidade, a reduzir morbilidade nas populações que têm esse risco. Nas crianças e nos adolescentes, [as vacinas] não só não fizeram desaparecer a pandemia, [como] não impediram a transmissão, não alteraram a vida nas escolas”, onde continua a ir “toda a gente para casa porque apareceu um caso positivo”, notou.
Mesmo com luz verde da EMA, o pediatra entende que “cada país terá de avaliar a sua realidade” e que, no caso de Portugal, não faz sentido optar por vacinar este grupo.
Em países com adesão baixa à vacinação, como é o caso dos Estados Unidos, é “compreensível que os governos se virem para toda a gente”, mas em países como Portugal, com “ampla” vacinação, essa pressão não existe.
“O nosso objetivo não é controlar ao máximo a difusão do vírus, é controlar ao máximo a mortalidade que ele causa. Estas vacinas não impedem a difusão do vírus”, realçou.
Face ao cenário atual, o pediatra defende a concentração de esforços na terceira dose da vacina nos grupos de maior risco e na adoção de uma “visão globalista”, pois “há vacinas que estão a fazer falta noutros sítios, para controlar o processo a nível global”.