De acordo com Lino Maia, a vacinação foi um balão de oxigénio, já que com “o controlo de surtos, as pessoas já podiam sair dos quartos”.
“Fui a alguns lares nos dias com surto e depois quando foi declarado extinto e quando antes não se via vivalma, porque as pessoas estavam encerradas nos quartos, no dia em que se abriram as portas dos quartos para as pessoas poderem sair, era quase um rebentar da primavera, um outro ânimo que se notava nas pessoas”, descreveu.
Em Portugal existem cerca de 3.500 lares, entre lucrativos, setor social e não legalizados, onde vivem aproximadamente 80 mil idosos, uma população “bastante frágil” que foi particularmente afetada pelos efeitos da Covid-19, privada de liberdade e de contactos com a família.
A primeira coisa que Rosa Ramalho, com 80 anos e a viver no lar da Santa Casa da Misericórdia de Mora, fez assim que foi vacinada foi tirar a máscara da cara e, admite, “isso foi um alívio”.
Para trás ficou um período “um bocadinho difícil”, em que não via os filhos nem as netas e em que estava obrigada a viver à distância dos beijos e abraços que a amiga Margarida lhe queria dar e aos quais respondia com um “agora é com o cotovelo”.
À Lusa contou que a “vacina trouxe esperança” e até já teve direito a um passeio por Mora na carrinha da instituição, em que viu a sua casa.
A viver no mesmo lar, Deudata Pinto, com 87 anos, garante que nunca teve medo da pandemia, mas admite que houve “dias em que ia abaixo”. Durante quase um ano nunca saiu do lar, “nem à rua ia”. Com a família falava todas as noites e os dias ocupava-os a fazer renda e malha ou a jogar bingo e cartas com outros residentes no lar.
Vacinada desde janeiro, acreditava que já podia voltar a viver em sua casa pelo menos aos fins de semana, mas a realidade por enquanto ainda é diferente e Deudata Pinto fica-se pela satisfação de também ter visto a sua casa durante o passeio e pelo desejo de um dia ir a Fátima agradecer por nenhum utente ter ficado infetado.
António Farrica tem 93 anos e vive também neste lar, juntamente com a mulher de 88 anos, e agora que já foram vacinados contou à Lusa qual é o seu desejo: “Gostava que o mal acabasse, aquele mal que apareceu agora desistisse e desaparecesse do mapa porque está a dar cabo do mundo todo”.
“Do que se ouve, este mal é uma morrinha [gíria para doença] como outra qualquer e gostava de saber se vai passar ou não, mas não vejo jeitos porque há aí uma certa juventude que parece que leva a coisa a brincar”, criticou.
O médico e especialista em geriatria Manuel Caldas de Almeida, que é também o provedor da Santa Casa da Misericórdia de Mora e vice-presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), concorda que “a vacina veio acender uma forte luz ao fundo do túnel” e trazer “uma enorme esperança” de que poderá ser a solução para o problema, mas afirmou-se também preocupado com a saúde mental e com a depressão, mais do que com o agravamento cognitivo dos idosos que vivem nos lares.
“As pessoas estão muito tristes, estão isoladas, estão com medo”, afirmou, apontando que “a ideia da morte se tornou muito mais presente”.
“Diria que entre as pessoas que estão bem cognitivamente existe o maior medo da morte e maior perceção da morte, mas aparece outra coisa que é o desperdício da vida, ou seja, a sensação de que isto é o meu último tempo de viver e eu não o estou a viver bem”, acrescentou, sublinhando que isso “é um gatilho para a depressão”.
No que diz respeito à saúde mental dos idosos que vivem nos lares, Caldas de Almeida separa em dois grupos, apontando que entre as pessoas que já tinham demência ou demências pouco avançadas, o isolamento “pode ser estabilizador” pelo facto de o lar ter menos entradas e saídas.
“Até aquelas pessoas com demências mais avançadas e com alterações comportamentais, agitação, agressividade, ansiedade, algumas dessas pessoas podem ficar mais tranquilas”, admitiu.
Por outro lado, em relação às pessoas em fases mais iniciais da demência, o confinamento e o isolamento aumentam a desorientação.
“São pessoas que deixam de ter contacto regular com os familiares, que era aquela âncora afetiva, deixam de ter saídas ao exterior e essas pessoas acabam por se desorientar um pouco mais e nessas, às vezes, o problema é o sofrimento disto tudo sem haver uma compreensão do que é que se está a passar porque as pessoas que não têm deterioração cognitiva sofrem com isto, mas percebem”, explicou.
Sublinhou que “neste momento a solidão dos idosos e o isolamento é terrível e a pandemia só veio agravar isso”.
O presidente da CNIS refere mesmo que na primeira fase de confinamento houve “casos de desespero provocados pela situação”.
“Tive conhecimento de situações de pessoas que se atiraram da janela abaixo porque já não aguentavam com essa situação de solidão, de confinamento, sem visitas, apesar de todo o esforço que foi feito pelas instituições”, contou Lino Maia.
O responsável lembrou que nas instituições onde se registavam surtos, “durante um mês as pessoas não podiam sair dos quartos”.
“Além de não terem visitas, também não podiam sair do quarto, estavam ali confinadas no seu quarto. Isto fragiliza, a situação agravou-se”, relatou Lino Maia.
O presidente da CNIS lembrou, por outro lado, que o aumento da esperança de vida não tem sido acompanhado do aumento da qualidade de vida e que as pessoas quando chegam ao lar têm já uma idade muita avançada, a saúde afetada e não raramente problemas de saúde mental.
“A saúde mental tem sido parente pobre da saúde neste país, na há respostas suficientes, mas de facto a situação agravou-se, isso é inquestionável”, disse Lino Maia.
O responsável admitiu que a pandemia teve consequências a dois níveis: por um lado, agravando os problemas de saúde mental e, por outro, evidenciando entre as pessoas que não tinham até então nenhuma patologia diagnosticada.
Um estudo da CNIS, desenvolvido pela Universidade Católica, revelou que os idosos foram o grupo mais afetado entre os utentes das instituições, afetados pelas consequências do isolamento, desde a solidão, perdas relacionais e de sociabilização, desgaste, stress e ansiedade, tristeza ou medo.