Num documento divulgado a propósito do Dia Mundial da Diabetes, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS) lembra que “os cientistas que descobriram a insulina há 100 anos recusaram lucrar com a descoberta e venderam a patente por apenas um dólar”, mas sublinha que, infelizmente, este gesto solidário acabou ultrapassado por um mercado multimilionário que criou “grandes lacunas de acesso”.
“A OMS está a trabalhar com países e fabricantes para preencher essas lacunas e expandir o acesso a este medicamento que salva vidas a todos os que precisam”, disse Tedros Adhanom Ghebreyesus.
A insulina é a base do tratamento da diabetes, transformando uma doença mortal numa doença controlável para nove milhões de pessoas com diabetes tipo 1. Para mais de 60 milhões de pessoas que vivem com diabetes tipo 2, a insulina é essencial para reduzir o risco de insuficiência renal, cegueira e amputação de membros, recorda a OMS.
No entanto, sublinha o documento, “uma em cada duas pessoas que precisam de insulina para diabetes tipo 2 não a recebe”.
O relatório diz que a diabetes está a aumentar nos países menos desenvolvidos e que o consumo de insulina não acompanhou o aumento da carga de doença.
A OMS destaca que embora três em cada quatro pessoas que sofrem de diabetes tipo 2 vivam em países fora da América do Norte e da Europa, representam menos de 40% da receita das vendas de insulina.
Para manter a promessa de há 100 anos de tornar universal o acesso à insulina, a OMS destaca neste relatório a necessidade de mudança no mercado global, lembrando que a insulina humana pode ser produzida a um custo relativamente baixo, e diz que a opção por produtos análogos mais caros (insulinas sintéticas) “está a impor uma carga financeira insustentável aos países mais pobres”.
“No geral, a insulina humana é tão eficaz quanto os análogos, mas os análogos são pelo menos 1,5 vezes mais caros do que as insulinas humanas e, em alguns países, três vezes mais caros”, recorda.
A OMS aponta ainda o controlo de mais de 90% do mercado de insulina por três empresas multinacionais, deixando pouco espaço para empresas menores competirem pelas vendas.
A regulamentação abaixo do ideal, incluindo abordagens de preços farmacêuticos abaixo do desejável, a fraca gestão de compras e da cadeia de fornecimentos, o insuficiente financiamento para cobrir a procura e uma “governança geral fraca” estão, segundo a OMS, a afetar o acesso à insulina e a dispositivos relacionados, como os dispositivos de monitorização.
Aponta ainda a capacidade e infraestrutura insuficientes dos sistemas de saúde, incluindo a falta de integração de serviços no nível dos cuidados primários, e a falta de capacidade para fornecer estes cuidados de saúde nesta área e garantir a sua continuidade.
A OMS indica igualmente que a investigação está direcionada para mercados ricos, “negligenciando as necessidades de saúde pública de países pobres, que representam 80% do fardo da diabetes”.
“O cenário de preços também é desigual e revela falta de transparência na forma como estes são definidos”, acrescenta o documento, exemplificando que ”as insulinas biossimilares (versões essencialmente genéricas) podem ser mais de 25% mais baratas do que o produto original, mas muitos países, incluindo os mais pobres, não estão a beneficiar dessa potencial poupança”.
O documento sugere várias ações para melhorar o acesso às insulinas e produtos relacionados: intensificar do estímulo à produção e fornecimento de insulina humana e diversificar a base de produção de insulinas análogas biossimilares para criar concorrência e reduzir preços.
Propõe ainda melhorar a acessibilidade, regulando preços e melhorando a transparência na forma como são definidos, promover a capacidade de produção local em regiões mal servidas e garantir que um maior acesso à insulina seja acompanhado por um diagnóstico imediato e acesso a dispositivos acessíveis para monitorar o açúcar no sangue e injetar insulina.
O relatório aconselha ainda o uso dos recursos de saúde “com sabedoria”, selecionando a insulina humana sempre que possível e alocando fundos adequados para fornecer um serviço completo de cuidados de saúde a este nível.
A OMS diz ter intensificado os esforços para abordar algumas das barreiras à disponibilidade de insulina e medicamentos relacionados e tecnologias de saúde, designadamente através de diálogos com associações comerciais e fabricantes desses produtos.
E acrescenta que, após o primeiro diálogo, a indústria se comprometeu com uma série de ações, entre elas o desenvolvimento de um plano para melhorar o acesso aos biossimilares de insulina, a participação no programa de pré-qualificação da OMS para insulina, medidores de glicose, tiras de teste e ferramentas de diagnóstico, assim como a participação em contratos internacionais / ONU agrupados ou mecanismos de procura conjunta.
Comprometeu-se ainda a enviar dados de termoestabilidade da insulina à OMS e a participar no mecanismo de relatório que a organização usará para registar e publicar contribuições da indústria farmacêutica e de tecnologias em saúde.
A OMS considera igualmente que a expansão do programa de pré-qualificação da organização para incluir dispositivos de monitorização de glicose, tiras de teste e ferramentas de diagnóstico, assim como a inclusão de formas adicionais de insulina e outros medicamentos para diabetes na atualização das Listas Modelo de Medicamentos Essenciais da OMS, devem levar a um melhor acesso em países onde a procura não tem sido correspondida.
Os esforços para aumentar o acesso a medicamentos para diabetes que salvam vidas são apenas uma das linhas de trabalho do Global Diabetes Compact, lançado em abril de 2021.
Este grupo reúne governos nacionais, organizações da ONU, organizações não governamentais, entidades do setor privado, instituições académicas, fundações filantrópicas, pessoas que vivem com diabetes e doadores internacionais para trabalhar por um mundo onde todas as pessoas em risco de diabetes ou que vivem com diabetes possam ter acesso aos cuidados de que precisam.