Segundo o despacho, a que a Lusa teve acesso, assinado pelo magistrado do MP coordenador da comarca de Lisboa, Paulo Morgado de Carvalho, os requerimentos de recusa da procuradora Marta Viegas apresentados pelas defesas dos arguidos Rui Pinto e Aníbal Pinto foram considerados extemporâneos, sublinhando “não assistir razão aos requerentes”.
“No caso em apreço, tomando em consideração a data da apresentação dos requerimentos e atendendo a que o facto invocado como gerador da desconfiança foi suscitado na sessão de julgamento do dia 22-04-2022, qualquer dos requerimentos em análise se afigura extemporâneo”, pode ler-se no documento.
A reunião em causa ocorreu em 08 de setembro de 2020, quatro dias depois do arranque do julgamento, e contou com as presenças de Rogério Bravo, Paulo Abalada, José Garcia, José Amador e Hugo Monteiro, além da procuradora. Porém, a existência da reunião só foi revelada em 22 de abril de 2022, quando a inspetora da PJ Aida Freitas (que foi chamada e não esteve presente) juntou – no contexto da acareação com o colega Hugo Monteiro – um email enviado por José Amador em que convocava os colegas para “afinar a estratégia para a inquirição”.
Para o coordenador do MP da comarca de Lisboa, o prazo para apresentar um incidente de recusa perante o “facto sério e grave que considera gerador de suspeição” é de 10 dias, com a contagem a iniciar-se “na data em que o requerente tiver tido conhecimento do facto em que alicerça o pedido”.
Como o requerimento de Aníbal Pinto foi suscitado em 09 de maio e o de Rui Pinto no dia 11 de maio, já teria sido ultrapassado o prazo de 10 dias, de acordo com o artigo 105.º do Código de Processo Penal (CPP) citado pelo magistrado.
Paralelamente, os requerimentos foram considerados inadmissíveis, na medida em que “o incidente de recusa apenas terá efeito útil se o magistrado titular não tiver esgotado o seu poder de decisão na fase processual que dirige”. O despacho refere ainda que, “após esse momento, mercê da natureza dos poderes processuais que ao MP assistem, o incidente de recusa revelar-se-á inútil”.
“Pelo exposto, quer por extemporaneidade, quer por inadmissibilidade, os requerimentos apresentados pelos arguidos não poderão proceder”, lê-se no despacho.
O coordenador do MP da comarca de Lisboa sustentou ainda que “nenhum outro elemento foi apresentado que suporte as imputações feitas no sentido de que a magistrada possa ter instruído, influenciado ou alterado o depoimento dos inspetores” da PJ, realçando que naquela data ainda não eram conhecidas as divergências nas versões dos inspetores sobre os relatórios de diligência externa elaborados pela Judiciária.
“Contactos mantidos por MP, no âmbito dos seus deveres funcionais, com os órgãos de polícia criminal, não são adequados a integrar motivo sério e grave suscetível de fundamentar um quadro de recusa”, conclui Paulo Morgado de Carvalho, que remete a comunicação da decisão à juíza Margarida Alves, dando ainda conhecimento à Procuradora-Geral da República e à Procuradora-Geral Regional de Lisboa.
O julgamento do processo Football Leaks foi suspenso devido a estes incidentes de recusa e, por agora, não existem ainda sessões marcadas.
Rui Pinto, de 33 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.
O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 07 de agosto de 2020, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.