O projeto, que deverá começar em outubro, é financiado em 300 mil euros pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), ao abrigo da primeira edição do Science Award Atlantic, bolsa destinada ao estudo do oceano Atlântico, anunciou a instituição.
Em declarações à Lusa, o biólogo Rui Seabra, que lidera o projeto e trabalha no Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-InBIO) da Universidade do Porto, disse que se trata de uma rede de monitorização da temperatura e biodiversidade do Atlântico Norte que abrange 85 praias rochosas.
Onze praias ficam em Portugal: cinco nos Açores, duas na Madeira e quatro no continente. No continente estão já identificadas as de Alteirinhos (Odemira), Evaristo (Albufeira), São Lourenço (Mafra) e Moledo (Caminha). Mexilhões, lapas e cracas são algumas das espécies-chave, além de algas, que vão ser observadas. Trata-se de espécies que servem de alimento a outras espécies marinhas.
Ao todo, nas 85 praias, vão ser colocados na superfície de rochas mais de dois mil sensores que fornecerão "dados de temperatura com detalhe, pistas sobre padrões de temperatura" da água do mar.
Ao contrário dos dados obtidos por satélite, os dos sensores são mais precisos, sustentou Rui Seabra.
A recolha dos dados da temperatura da água, entre marés e sob ação da exposição ao Sol e sombra, assim como da distribuição de determinadas espécies, como algas, bivalves e crustáceos, será feita pelos cientistas nas praias com o auxílio de aplicações de telemóvel que irão ser criadas.
A rede está preparada para registar dados durante pelo menos 10 anos, podendo a monitorização ser feita anualmente na maioria dos locais, os de mais fácil acesso. Cada "posto de monitorização" terá 30 sensores.
A informação coligida vai permitir aferir o real impacto das alterações climáticas na biodiversidade costeira, "numa área e tempo mais abrangentes", possibilitando "identificar áreas prioritárias para a conservação", os chamados "refúgios climáticos", zonas que, por se manterem estáveis, têm "mais garantias" de ser "mais preservadas", assinalou Rui Seabra.
O novo projeto, que surge no seguimento de um outro, que instalou 17 sensores de temperatura com outras características em 17 praias na costa atlântica europeia, desde o Algarve à Escócia, é coordenado pelo CIBIO-InBIO e envolve equipas de investigação dos Açores, Madeira, Canárias (Espanha), Cabo Verde, Estados Unidos, Canadá e Reino Unido.
A rede de monitorização estende-se por uma vasta área costeira que inclui, nomeadamente, Portugal, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Senegal, Mauritânia, Marrocos, Espanha, França, Reino Unido, Noruega, Islândia, Gronelândia (Dinamarca), Canadá, Estados Unidos e Caraíbas.
O projeto prevê que, ao fim de três anos, os dados recolhidos possam estar acessíveis ao público em geral e não apenas à comunidade científica.
Apesar de não permitir a monitorização à distância e em tempo real, a tecnologia usada "é robusta", assegurou o biólogo Rui Seabra.
Os sensores de temperatura, com dimensões milimétricas, são incrustados na superfície das rochas por meio de um furo de berbequim e com uma resina, para evitar que se percam, e têm um ‘chip’ que fornecerá os dados a um telemóvel.
O telemóvel fará a leitura da informação ao aproximar-se dos sensores. Esta tecnologia, a da ‘contactless’ (comunicação de dados sem contacto), é a mesma que é utilizada em cartões de pagamento.
A recolha de informação sobre a temperatura da água será feita de "maneira simples", precisa e com menos custos, defendeu Rui Seabra, realçando que os sensores são fixados nas rochas em várias direções e em zonas expostas ao Sol ou à sombra.
Segundo o biólogo, "a complexidade térmica é crucial para a distribuição das espécies".
Numa praia rochosa existem muitos "micro-habitats" que são influenciados pelos diferentes níveis de exposição ao Sol de cada pedaço de rocha.
Num estudo anterior, Rui Seabra e outros investigadores concluíram que uma espécie de lapa predominante no sul de Portugal e no golfo da Biscaia "é mais vulnerável a aumentos da temperatura da água do que do ar".
No Norte de Portugal, em que a água do mar "é mais fria do que o normal" devido ao vento de Nortada, espécies de algas grandes e castanhas "têm estado a desaparecer" e dado lugar a algas mais pequenas, semelhantes a tufos, que se encontram habitualmente nos ecossistemas marinhos das regiões Centro e Sul, reportou Rui Seabra.
De acordo com o investigador, um dos impactos das alterações climáticas descritos nos artigos científicos é a "invasão de espécies com afinidade com águas quentes e o recuo das espécies de água fria".
A possibilidade de o projeto, financiado pela FLAD durante três anos, se alargar ao Atlântico Sul está a ser avaliada.
A bolsa Science Award Atlantic será atribuída anualmente, no montante global de 300 mil euros, e pretende "premiar a investigação que consiga desenvolver resultados práticos, como a criação de engenharia e tecnologias, que facilitem a compreensão dos ecossistemas atlânticos", segundo a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento.
O apoio destina-se a cientistas em início de carreira em Portugal que trabalham em colaboração com grupos de investigação nos Estados Unidos.
C/Lusa