No discurso de encerramento, no XII Congresso dos Juízes Portugueses, Manuel Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), questionou a ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, sobre se “será normal, legítimo, aceitável” que um advogado possa interpor dezenas de incidentes de recusas de juiz, por vezes repetidamente no mesmo processo, sem que os magistrados possam fazer algo para o contrariar e permitir o avanço do processo e do julgamento.
Isto, porque a regulamentação da lei de distribuição processual continua por fazer – ainda que a ministra já tenha apontado julho como prazo para enviar ao parlamento a proposta do Governo –, um atraso que permite que as defesas continuem a alegar o incumprimento da lei e violação das regras de distribuição para suscitar incidentes e “entorpecer a Justiça” pedindo o afastamento do juiz.
“Sra. Ministra, aquela lei tem de ser regulamentada imediatamente, não só porque o que lá está nos parece acertado, mas para acabar com estas situações de verdadeira chicana processual”, disse Manuel Soares.
No âmbito penal, afirmou que há uma justiça ainda mais lenta quando os arguidos são mediáticos, com processos que “não têm fim” ou que “dificilmente chegarão a uma decisão final antes da prescrição” e voltou a insistir numa “intervenção legislativa” que ponha fim ao exercício abusivo e ilegítimo de direitos processuais, que permita que “discussão dos incidentes supérfluos e anómalos” suscitados sejam analisados num processo à parte, para que o julgamento corra “sem entraves” até ao fim.
“Não podemos continuar a olhar para isto como se nada fosse, parecendo cúmplices de uma ineficiência que objetivamente beneficia a impunidade de pessoas poderosas a quem o Estado de direito bateu à porta”, criticou.
Sobre justiça administrativa e fiscal, que o presidente da ASJP já apontou como uma das áreas a necessitar de intervenção urgente, Manuel Soares lembrou o atraso processual nestes tribunais, que “de promessa em promessa, de adiamento em adiamento, de um grupo de trabalho para o outro, não tem solução à vista”.
Manuel Soares pediu ainda mais “controlo, transparência e integridade” para a arbitragem, criticando a ausência do Ministério Público dos processos em que o Estado é parte, em que está em causa o interesse público e em que os tribunais arbitrais são uma “justiça privada”.
“Não está certo, não pode estar certo, que o Estado seja condenado por um tribunal arbitral, secreto, sem controlo de legalidade do Ministério Público, a pagar a uma empresa privada centenas de milhões de euros por violação de uma cláusula contratual que o tribunal de contas" já tinha considerado nula, disse.
Não esqueceu também os funcionários judiciais, há meses em greve, que paralisou serviços, atrasou processos e adiou milhares de diligências, e que prometem continuar enquanto não virem as suas reivindicações salariais e de carreira atendidas pelo Governo.
“Eles têm razão. O que pedem é justo e razoável. Não se pode adiar mais a aprovação de um novo estatuto que alcance um consenso que ponha termo à grave perturbação causada no funcionamento dos tribunais por um clima de crispação generalizada, de desânimo e desmotivação do corpo profissional que dá apoio à administração da justiça e de paralisações e greves que adiam milhares de diligências e introduzem novos fatores de ineficiência”, disse.
"Senhora ministra, faço-lhe este pedido público, por favor resolva isto rapidamente", exigiu Manuel Soares, num momento do discurso em que foi aplaudido pela sala do congresso, onde estão reunidos cerca de 600 juízes que participaram no evento e na presença da ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, e do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Aos conselhos superiores das magistraturas apontou falhas na prevenção da corrupção dentro do sistema, falhas no reconhecimento desses erros e do reforço de mecanismos de prevenção que garantam transparência e integridade na justiça, lembrando que a ASJP apresentou propostas, nomeadamente de verificação de idoneidade de juízes, para reporte de casos de corrupção nos tribunais ou para fiscalização de obrigações declarativas, entre outras.
A um ano de terminar o mandato, Manuel Soares ainda não quis fazer neste congresso o seu discurso de despedida da ASJP, mesmo admitindo que “com toda a probabilidade” foi a última vez que se dirigiu a uma assembleia de juízes em funções de associativismo, assumindo como plano pessoal a partir de abril de 2024 “desaparecer do espaço público” para uma renovação e transição geracional na liderança da associação.
Lusa