"O Tribunal baseou a sua decisão no facto de a ata dessa Assembleia Geral não ter sido assinada no mesmo dia em que a mesma ocorreu", salienta a empresária num comunicado enviado à Lusa, no qual argumenta que, "como é prática da gestão empresarial, comum e corrente em várias empresas, as atas são sempre redigidas após a realização das reuniões e as assinaturas das diferentes partes e pessoas envolvidas são recolhidas nos dias seguintes, constando na ata a data em que ocorreu a reunião".
O tribunal, assim, demonstra "falta de conhecimento do normal funcionamento empresarial", pelo que, conclui, "será interposto recurso desta decisão".
De acordo com o comunicado oficial da empresária angolana, o tribunal "decidiu anular as deliberações tomadas na Assembleia Geral de acionistas da Esperaza, realizada no dia 14 de novembro de 2017, que aprovaram a distribuição dos dividendos aos acionistas da Esperaza, incluindo a Sonangol".
"Não é prática empresarial que constem nas atas as datas em que foram recolhidas as assinaturas das partes, pelo que o facto das assinaturas serem posteriores à data da realização da reunião não pode levar a classificar uma ata como tendo uma “data falsa”", argumenta a empresária, salientando que, "aliás, como é natural, o que importa é que a ata demonstre e expresse a vontade das partes envolvidas no dia da realização da reunião, o que foi inequivocamente o caso".
Na Sonangol, vinca, "as atas das reuniões não são redigidas nem assinadas no mesmo dia em que as mesmas ocorrem. Muitas das atas da Sonangol são até assinadas nas reuniões seguintes e isto jamais constituiu um ato de má gestão (seria até estranho que assim fosse considerado)".
Além dos argumentos já apresentados na terça-feira à noite, Isabel dos Santos diz ainda que a Sonangol "alegou falsamente ao Tribunal da Holanda que os membros do Conselho de Administração da Sonangol, no dia 26 de setembro de 2017, se encontravam na tomada de posse do Presidente da República de Angola, João Lourenço, e que, por essa razão, estavam fora da empresa e não se reuniram nesse dia, pedindo assim ao Tribunal que considerasse como falsa a ata da reunião do Conselho de Administração de 26 de setembro de 2017".
No entanto, segundo a empresária, "a verdade é que os membros do Conselho de Administração da Sonangol não foram convidados para a tomada de posse do Presidente João Lourenço no dia 26 de setembro de 2017, e nesse dia encontravam-se na Sonangol, na sede da empresa, reuniram-se e estiveram a trabalhar e a cumprir o seu dever, pela importância estratégica da empresa, bem como a garantir as suas operações".
Em causa está a decisão de um tribunal neerlandês que concluiu que a empresária desviou ilegalmente, com recurso a documentos falsificados, 52,6 milhões de euros da petrolífera estatal angolana Sonangol, para uma empresa sua.
A decisão foi ditada pela Câmara Empresarial, um departamento especial do Tribunal de Recurso de Amesterdão que concluiu que o dinheiro foi desviado da Sonangol através de sociedades anónimas neerlandesas para beneficiar Isabel dos Santos e o seu marido, Sindika Dokolo (que morreu em 2020, no Dubai, devido a um acidente quando mergulhava).
A sentença é citada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ, na sigla em inglês) que esteve na origem do caso que ficou conhecido como “Luanda Leaks” e teve acesso ao documento – ainda não publicado – através do jornal neerlandês NRC.
Numa reação ainda na terça-feira à noite, a empresária angolana justificou o recurso realçando que o tribunal não analisou “documentos relevantes submetidos pela defesa, documentos estes que poderiam alterar, de forma significativa e substancial, a decisão proferida, demonstrando de forma inequívoca a veracidade material dos factos em questão”.
“No recurso serão apresentados estes documentos, demonstrando a verdade e a existência das atas da Sonangol, incluindo as correspondentes e reais deliberações que, por razões que se desconhece, foram ignoradas”, frisou Isabel dos Santos numa publicação na rede social Instagram.
A decisão do tribunal neerlandês vai ao encontro da investigação do ICIJ e valida um relatório condenatório de um diretor nomeado pelo tribunal para a Esperaza Holding BV – um veículo usado pela Sonangol para comprar ações na portuguesa Galp.
O relatório concluiu que a venda, em 2006, de 40% da Esperaza à Exem Energy BV, uma empresa detida por Sindika Dokolo, tinha resultado de um “ato de corrupção” e deveria ser anulada.
No final de 2006, a Sonangol vendeu 40% das ações que detinha na Esperaza e entregou-as à Exem, empresa cujos beneficiários finais eram Isabel dos Santos e o seu marido.
O ICIJ aponta que Isabel dos Santos e os seus parceiros beneficiaram de negócios lucrativos ligados ao petróleo, diamantes, telecomunicações, bancos e imóveis sob o governo de José Eduardo dos Santos, que permaneceu no poder quase 40 anos.
Após o pai ter saído da presidência, cargo assumido pelo seu sucessor João Lourenço, atualmente no segundo mandato, a Sonangol contestou em tribunal a legalidade da aquisição da participação de 40% da Exem na Esperaza, disputa resolvida a favor da Sonangol, em 2022, por uma instância arbitral neerlandesa, que anulou a aquisição por ser “contrária à ordem e aos bons costumes públicos”.
Em 15 de novembro de 2017, o recém-eleito Presidente angolano João Lourenço demitiu Isabel dos Santos do cargo de presidente da Sonangol, no âmbito do combate à corrupção que assumiu como bandeira eleitoral.
A pedido da Sonangol, em 2020, a câmara empresarial ordenou uma investigação dos negócios da Esperaza a partir de 01 de janeiro de 2017.
O tribunal concluiu que a empresária assinou falsas deliberações para canalizar 52,6 milhões de euros em dividendos da Esperaza Holding BV para sua própria empresa e que tentou ocultar essas transferências ilegais, com datas anteriores à demissão.
O tribunal disse que ficou estabelecido que “todas as pessoas que assinaram um ou mais decretos sabiam que estes eram retroativos” e que os diretores da empresa deveriam ter percebido que Isabel dos Santos estava a tentar fazer um pagamento rápido de dividendos, através de resoluções forjadas e retroativas.
“A decisão é um passo intercalar na longa tentativa da estatal Sonangol para recuperar os milhões roubados”, acrescenta o ICIJ.
Lusa