Investigadores da Faculdade de Medicina do Porto e do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS) alertaram hoje para a necessidade de tempo para realizar mais estudos que sustentem futura lei da morte antecipada em Portugal.
Num artigo científico publicado no Journal of Death and Dying, o grupo de investigadores defende que há questões que devem ser acauteladas no âmbito da legislação sobre a morte medicamente assistida, como por exemplo identificar pessoas que podem mudar de ideias, definir um período de espera diferenciado para doenças terminais e não terminais, bem como perceber que condições pessoais podem potenciar o desejo de antecipar a morte.
À falta de estudos sobre eutanásia e tomada de decisão, o trabalho avaliou a literatura existente sobre ideação suicida, tentativa de suicídio e suicídio em diferentes populações.
Segundo Miguel Ricou, professor de Bioética da FMUP e investigador do CINTESIS, os resultados sugerem que “existe uma forte possibilidade de reversão do desejo de morrer, pelo que é preciso distinguir entre os indivíduos que manterão o seu desejo e beneficiarão do término da vida e os outros que poderão mudar de ideias”.
Neste ponto, os investigadores identificam claramente os casos dos doentes terminais, que vivem, por vezes, em grande sofrimento, e nos quais o declínio é contínuo, o que dificulta a capacidade de adaptação.
“São casos que podem beneficiar da morte antecipada, se essa for a vontade do doente, e cujo processo pode tornar-se fútil, se for muito atrasado”, sustentou Miguel Ricou.
No entanto, nos restantes casos, os autores deste estudo propõem que sejam acauteladas outras questões.
“Os estudos sobre suicídio revelam que, nos primeiros dois anos, a maioria das pessoas que pensa ou tenta o suicídio muda de ideias e deixa de desejar a morte”, sublinhou o investigador. Defende, por isso, que “esta informação deve ser tida em conta antes de decidir sobre a possibilidade de alguém com uma doença crónica ou que perdeu alguma função (como a capacidade de andar ou a visão, por exemplo) pedir para morrer”.
“O processo de adaptação pode ser muito diferente daquele que acontece nas doenças terminais, sendo mais próximo daquele que parece suceder no suicídio. Pode haver ainda mais espaço para uma intervenção que fomente a adaptação do doente à sua nova condição e reverta o desejo de morte”, considerou Miguel Ricou.
Assim, os investigadores aconselham que seja definido um “período de avaliação mais alargado”, no caso dos pedidos de morte antecipada realizados por doentes não terminais, na medida em que isso “pode fomentar a adaptação do doente às suas condições de vida, reduzindo o sofrimento e, eventualmente, revertendo o desejo de morrer”.
As outras variáveis que interferem com o desejo de morrer são a existência de sintomatologia depressiva, ou “desesperança”, a perda de funcionalidade, a existência de baixos níveis de suporte social e a perceção de perda de dignidade.
Segundo Miguel Ricou, “também nestes casos o tempo e a intervenção psicológica podem ser úteis para despistar os casos dos doentes nos quais existe margem para uma mudança de ideias”.
“Não é aceitável que, num processo em que está em causa a tomada de decisão consciente de um doente, a intervenção psicológica não esteja considerada em nenhum projeto de lei”, disse.
O estudo refere ainda a associação existente entre alguns traços de personalidade e o suicídio, como a impulsividade e assertividade.
Os investigadores referem ainda que, em Portugal, a taxa de suicídio em 2010 foi de 10,3 por 100.000 habitantes, uma taxa mais alta do que outras mortes violentas, como acidentes de carro e mortes relacionadas ao trabalho.
“Estes números revelam a necessidade de examinar e entender melhor o desejo de morrer e, especialmente, os eventos que o desencadeiam”, acrescentou o investigador.
Um trabalho anterior, do mesmo grupo de investigação, divulgado em julho, revelou que 60% dos médicos são a favor da legalização da eutanásia em Portugal. O mesmo estudo indicava que o sofrimento manifestado pelo doente, em consequência da doença, é, para os médicos, um critério mais relevante que o respeito pela autonomia, ainda que esta última seja uma condição obrigatória.
C/Lusa