O livro, “Portugueses na Lista Negra de Hitler” desvenda o rasto de portugueses ou cidadãos de origem portuguesa, maioritariamente judeus, que residiam fora de Portugal e não foram salvos “devido à morosidade e desleixo das autoridades portuguesas”, disse Miriam Assor em declarações à agência Lusa.
Miriam Assor realçou à Lusa que “nem todos eram judeus” e “houve um desleixo e impasse burocrático das autoridades portugueses que tinham um certo medo dos nazis alemães”.
A investigadora referiu um grupo de portugueses que ficou detido em Le Vernet, em França, durante cerca de quatro anos, e foi depois deportado para o campo de concentração de Dachau, na Alemanha, onde a maioria morreu. “Estes não eram judeus”, disse.
Em Le Vernet, nos Pirenéus franceses, estiveram detidos cerca de 12 mil anarquistas espanhóis da Divisão Durruti, e a partir de 1942 tornou-se um centro de detenção para judeus, tendo os últimos prisioneiros sido levados no “comboio fantasma”, em junho de 1944, para Dachau. Neste campo de concentração estiveram detidos cerca de 40 mil pessoas de 58 nacionalidades, incluindo a portuguesa.
A autora referiu que “a neutralidade portuguesa foi oscilando com o evoluir da guerra, até ao ‘Dia D’ [6 de junho de 1944], a guerra dá muita volta e Portugal também”.
O “Dia D” foi a operação militar aliada, dos Estados Unidos, Reino Unido e Commonwealth e outras nações, de desembarque das tropas na costa da Normandia, França, e que deu início à libertação da Europa do domínio militar nazi.
Miriam Assor afirmou que não encontrou posições de antissemitismo por parte do Governo de Portugal, nomeadamente do então presidente do Conselho de Ministros e ministro dos Negócios Estrangeiros – “António de Oliveira Salazar e do seu séquito” -, mas notou “uma falta de responsabilidade e de tomada de decisão”.
O Governo de então “não quis assumir, ao contrário até dos nazis, que pediam para Portugal retirar os seus cidadãos dos territórios sob o seu domínio”.
À Lusa, a autora referiu os portugueses que se encontravam no campo de concentração de Bergen-Belsen, na Alemanha, foram colocados num “bloco onde não eram obrigados a trabalhar”. “Tinham de se levantar de manhã e estar cinco a seis horas numa fila para receberem a sopa diária. Tiveram doenças e emagreceram bastante, mas há uma diferença ordenada pelo Hitler, porque eram de um país neutro”.
Relativamente à indecisão de Lisboa em reconhecer a nacionalidade de alguns dos seus cidadãos, nomeadamente residentes em França, ocupada parcialmente pelas forças alemãs, e na Grécia, ambos os países sob ocupação nazi entre 1940 e 1944, a autora afirmou que não teve dúvidas e considerou-os “portugueses”.
“Considerei-os portugueses, porque as documentações que eu vi levaram-me a crer que essas pessoas eram portuguesas”, disse, referindo que houve várias pessoas que “pediram a Portugal para lhes renovar a documentação e Portugal esquivou-se”. “Até à guerra eram portugueses, mas depois da guerra Portugal percebeu que tinha ali um grande imbróglio”, assegurou.
Miriam Assor afirmou que “a sorte dos judeus portugueses na Grécia foi muito inferior à dos judeus portugueses em França que conseguiram ser repatriados à conta de cônsules-honorários que arriscaram a sua carreira para salvarem pessoas”, como Aristides de Sousa Mendes (1885-1954), que foi cônsul-honorário em Bordéus, no sudoeste de França.
“A ditadura [portuguesa] em nenhum momento tomou uma decisão de salvar estas pessoas – os nossos. É sempre alguém, um pouco sub-repticiamente, que salva”.
Em 1940, Aristides de Sousa Mendes “já tinha caído em desgraça”, exonerado pelo Governo de Salazar.
Miriam Assor levou dez anos a escrever este livro, tendo recolhido vários testemunhos, nomeadamente dos descendes, mas falou com sobreviventes, como o sefardita Maurício Lévi, de 88 anos, que vive no Estado norte-americano da Virgínia.
A obra reproduz vários documentos oficiais portugueses, nomeadamente diplomáticos, incluindo uma lista de nomes dos portugueses presos pela milícia paramilitar nazi Schutzstaffel (SS) em Atenas, em 1944, e mais tarde deportados. Desta lista constam 19 nomes.
A autora refere vários portugueses e tece a sua curta biografia, ao longo da obra, como o minhoto João Fernandes, de Gondariz (Viana do Castelo) deportado para o campo de concentração em Mauthausen, na Áustria sob bandeira nazi, e, posteriormente para o de Natzweiller-Struthof, atualmente em França, na época sob administração alemã, “um dos raros” que sobreviveu à guerra.
Outro sobrevivente foi Joaquim Sequeira, natural de Lalim, no concelho de Lamego, distrito de Viseu, que esteve em Dachau e em Natzweiller-Struthof.
Também João Faria de Sá, de Vila Nova de Famalicão (Braga), esteve no campo de concentração de Buchenwald, na Alemanha.
A estes nomes juntam-se outros como Raquel Batista, de Lisboa, que foi morta no campo de concentração de Auschewitz-Birkenaum na Alemanha, em agosto de 1942, e Bernardino da Silva, de Santo Tirso (Porto), “o único português no denominado ‘Comboio da Morte’ que saiu da cidade francesa de Compiègne, em julho de 1944, em direção a Dachau”, tendo morrido durante o trajeto.
“Dentro desta tragédia encontrei amor”, sentenciou a autora que não dá por terminada a investigação, afirmando: “Continuo na expectativa de descobrir e divulgar mais detalhes sobre os portugueses que sofreram na II Guerra Mundial [1939-1945]”.
Miriam Assor, jornalista que iniciou carreira no semanário O Independente, tem publicado vários livros sobre judeus, como “Aristides de Sousa Mendes – Um Justo Contra a Corrente” e “Judeus Ilustres de Portugal”.