“A EARHVD dirige às entidades responsáveis pelas áreas da educação, da saúde e da promoção da igualdade de género, a recomendação de, no desenvolvimento da sua atuação: Prestarem especial atenção à sensibilização dos jovens e da comunidade para o combate à violência no namoro, com particular destaque para a violência psicológica, a perseguição, o controlo e a violência através das redes sociais, bem como à sua desvalorização e até mesmo à valorização de alguns destes comportamentos como pretensas manifestações de afeto”, refere o relatório publicado esta quinta-feira no site da Direção-Geral da Saúde (DGS).
O caso analisado pela EARHVD diz respeito à morte de um homem pela companheira, em 17 de outubro de 2017, na casa que partilhavam, após cerca de ano e meio de relação e um ano de vida em união de facto, no qual sobressaíram a “existência de comportamentos obsessivos e de controlo” por parte da agressora e “a desvalorização familiar e social da ‘toxicidade’ desta relação”, frequentemente considerada como expressão da juventude do casal.
“Tinham uma relação instável e conturbada, caracterizada por manifestações de ciúmes, por comportamentos controladores e mesmo de agressão física por parte de B [agressora], e pela incapacidade de resolução das divergências e conflitos num ambiente de diálogo e respeito mútuo”, pode ler-se no documento, que acrescenta que a namorada “dava sinais de uma grande incapacidade de lidar com a perceção da possibilidade de rotura da relação”.
Segundo a análise efetuada, existiam vários fatores que prenunciavam o possível aumento das agressões, mediante a ficha de avaliação do risco de violência doméstica usada na justiça, nomeadamente: história de violência física, escalada de comportamentos violentos, ameaças de homicídio, controlo, perseguição, ciúmes, história de ameaças/tentativas de suicídio, problemas financeiros e/ou de emprego, separação ou tentativa de separação, e isolamento.
“Não foi efetuada qualquer avaliação do risco de revitimização, pois nunca a violência existente nesta relação deu origem a qualquer procedimento criminal antes da ocorrência do homicídio, ou a qualquer outro tipo de intervenção”, esclareceu ainda a equipa, assinalando que sempre que a vítima se procurou afastar da relação, os comportamentos violentos da agressora aumentavam e assim conseguia recuperar o controlo sobre o companheiro.
Com a vítima a procurar ocultar as agressões, algo que “ocorre frequentemente com os homens que são vítimas” de violência doméstica devido ao “estereótipo da dominância masculina”, a EARHVD salientou: “O facto de ser o elemento do sexo feminino aquele cujo comportamento era claramente abusivo e de controlo poderá ter contribuído para a sua relativização (…) e perceção como aceitável, não sendo entendido como comportamento de risco para um cenário de vitimização mais severa ou mesmo de homicídio, como acabou por suceder”.
Descrevendo diversas conversas por mensagem entre o jovem casal e uma sequência de atitudes que levaram ao homicídio, o relatório fez ainda referência às ameaças de suicídio pela namorada, frisando que estas ameaças “constituem uma das estratégias de controlo das pessoas agressoras em relação às vítimas” e que as mesmas “devem ser sempre levadas a sério, sejam verbalizadas uma ou mais vezes” no contexto da relação.
Outro sinal realçado pela EARHVD foi a mensagem “Se não és meu não serás de mais ninguém”, que destacam como “uma das frases mais utilizadas por agressores/as para intimidarem” as vítimas” perante a perceção de uma vontade do outro em se separar, constituindo, por isso, “um aviso presente em muitos casos de homicídio” no âmbito da violência doméstica.
“São preocupantes os níveis elevados de violência nas relações de namoro que têm sido identificados (…), bem como a sua desvalorização e até mesmo a valorização de alguns destes comportamentos”, sintetizou. A agressora acabou por ser condenada em 2020 por violência doméstica e homicídio qualificado, tendo-lhe sido aplicada a pena única de 14 anos de prisão.