Nem queijo, nem leite, mel, carne ou peixe. Os cerca de 60.000 vegans em Portugal praticam uma filosofia de vida que exclui tudo o que é de origem animal e são cada vez mais os que nem sequer usam lã, couro ou seda.
Segundo um estudo promovido pelo Centro Vegetariano e divulgado este ano, o número de vegetarianos em Portugal quadruplicou na última década. São agora 120.000 os portugueses que seguem um regime alimentar vegetariano, metade dos quais seguem alimentação vegan (não consome carne, peixe, ovos ou laticínios).
Mas ser vegan é mais do que isso. É uma filosofia de vida diferente, que vai muito além da alimentação. E é mais do que uma moda.
“Uma moda é algo que entra em crescimento e depois entra em declínio, por exemplo, como nova marca de roupa ou sapatos. No vegetarianismo e veganismo há um crescimento contínuo e estável. Os dados que apontam para um crescimento de 400% nos últimos 10 anos vêm mostrar isto mesmo”, afirma Nuno Alvim, presidente da Associação Vegetariana portuguesa (AVP).
Também ele vegan há 10 anos, diz que é “cada vez mais prático, mais fácil e mais conveniente” e, na véspera do Dia Mundial do Veganismo, que se assinala na quarta-feira, dá o exemplo da quantidade de opções já existentes nos grandes supermercados e do número de restaurantes que, ou são estritamente vegetarianos, ou pelo menos oferecem essa opção.
Reconhece que foi a maior preocupação com a saúde que levou muitos portugueses a reduzirem o consumo de produtos de origem animal nos últimos anos, procurando mais produtos naturais, vegetarianos e biológicos.
Apesar da obrigatoriedade da opção vegetariana nas cantinas públicas desde o início do ano letivo, Nuno Alvim diz que ainda há pais que se deparam com esta dificuldade: “Já tivemos contactos de pais que não conseguem que os filhos acedam [a comida vegetariana] porque ainda enfrentam o preconceito e o mito relativamente a esta alimentação”.
“A própria Direção-geral da Saúde publicou manuais que falam precisamente na alimentação vegetariana nas crianças e mostram que esta alimentação é adequada a todas as fases e ciclo de vida. É preciso é adaptar e perceber quais são as deficiências nutricionais e fazer refeições completas”, acrescenta o presidente da AVP.
Também preocupada com as carências nutricionais que uma alimentação vegetariana ou vegan pode trazer, a bastonária da Ordem dos Nutricionistas recorda: “Não nos podemos esquecer que há riscos associados, que podem ser tanto maiores quanto mais restrito é este padrão alimentar”.
Alexandra Bento sublinha que os riscos se relacionam sobretudo ”com carências de nutrientes como as vitaminas do complexo B, proteína e cálcio, vitamina D e ferro”.
A opção por este regime alimentar “exige grande cautela e grande preocupação” por parte dos pais, quando decidem que os filhos passam a ter uma alimentação vegetariana, defende a bastonária, que reconhece, contudo, que o padrão alimentar vegetariano pode ser considerado adequado porque tem uma grande diversidade em termos alimentares, com alimentos pouco processados e o consumo de fruta, hortícolas e leguminosas.
“Não descurando benefícios, os riscos existem e, se os pais tendem a querer este padrão alimentar por parte dos filhos, porque não [optar pelo] padrão ovo-lacto-vegetariano, em que ficam acauteladas estas carências nutricionais”, sugere Alexandra Bento, que aconselha os pais a consultarem igualmente um nutricionista antes de fazerem a opção.
Para o presidente da AVP, não é essencial consultar um nutricionista em todas as circunstâncias. É uma opção a recorrer em situações mais delicadas, como em crianças ou pessoas com necessidades específicas.
“Com a disponibilidade de informação, [as pessoas] não precisam necessariamente de consultar um perito nutricionista. Recomendo que tomem passos graduais, em vez de ser abruptamente, para evitar défices nutricionais”, defende.
Nuno Alvim diz que hoje em dia é fácil ser-se vegetariano ou vegan. Não sente dificuldades na área alimentar. Já quanto aos restantes parâmetros da filosofia vegan, a história é diferente.
“Em áreas como o calçado e a roupa, por exemplo, o mercado esta a evoluir muito lentamente. Já existem opções, com marcas portuguesas de sapatos sem matéria de origem animal, ou roupas. A questão é que nem sempre são acessíveis para toda a gente. São comercializados a um preço relativamente elevado”, explica.
Contudo, diz que, apesar de haver ainda muito para crescer, há uma procura cada vez maior e a disponibilidade do mercado está a evoluir. Que afinal, ser vegetariano ou vegan, “não é um bicho-de-sete-cabeças”.
LUSA