O projeto do INESC-ID para o desenvolvimento de um protótipo de deteção e análise do discurso de ódio no Twitter, tendo como foco o contexto pandémico, arrancou há cerca de um ano, com a colaboração da Lusa e do CNCS.
O objetivo do ‘workshop’ "Hate covid-19.pt O discurso de ódio nas redes sociais", que tem lugar no auditório do INESC-ID Lisboa no dia 17 de maio, "é, por um lado, divulgar o projeto e, por outro, envolver as próprias comunidades na apresentação e discussão dos resultados", referiu a investigadora.
"Neste caso, o que fizemos foi cingir-nos às comunidades afrodescendentes, cigana e LGBT+ porque eram, segundo os relatórios que têm vindo a sair, as comunidades que são mais visadas em termos de discurso de ódio, nomeadamente no ‘online’, no contexto português, e no caso da comunidade LGBT+ no contexto europeu também", explicou.
"Começámos por fazer um grupo focal que envolvia representantes dessas comunidades" e o ‘workshop’ "vai também incluir uma mesa redonda onde vai haver representantes de cada uma dessas comunidades na discussão dos resultados desses grupos focais", acrescentou.
Depois, "outra parte do ‘workshop’, prende-se com os resultados que obtivemos e os recursos que desenvolvemos no âmbito deste projeto, criámos corpora, coleção de dados anotados que vão permitir e auxiliam o desenvolvimento dos sistemas automáticos de deteção de discurso do ódio ‘online’", prosseguiu a investigadora, apontando que um dos "aspetos importantes" é que as próprias comunidades foram envolvidas na anotação desses dados.
Em síntese, o projeto "Hate covid-19" tem como objetivo investigar o discurso de ódio em Portugal, com vista à sua deteção automática e avaliar o potencial impacto da pandemia neste tipo de discurso ‘online’.
As redes sociais analisadas foram o Twitter e o Youtube.
Entre os principais resultados, relativos ao Twitter (63.450 ‘tweets’ analisados), constata-se que "não é possível estabelecer uma relação direta entre a pandemia e o aumento do discurso de ódio nas redes sociais em Portugal".
Os picos "mais elevados de discurso de ódio ‘online’ parecem estar intimamente relacionados com eventos, no paradigma internacional e nacional, que envolvem as comunidades visadas (exemplo do assassinato de George Floyd e caso Marega)", referiu a investigadora.
O grupo-alvo mais visado em termos de discurso de ódio, neste estudo, "é a comunidade afrodescendente".
No Youtube, em que foram analisados 20.590 comentários, a comunidade cigana é a mais visada em termos de discurso de ódio neste estudo.
"Apesar de a comunidade LGBTQ+ ser a comunidade que, a nível europeu, tem sido reportada como sendo a mais lesada em termos de discurso de ódio ‘online’, no nosso estudo, é a comunidade menos visada, comparativamente, em termos de discurso de ódio", refere a investigadora.
Por sua vez, "a comunidade afrodescendente continua a ser alvo de racismo severo nas redes sociais (é aquela que recebeu a maior percentagem de comentários mais nocivos), mas é também a mais ativa (no sentido de se insurgir contra os comentários negativos)".
O estudo mostra ainda que "o discurso de ódio encoberto é altamente frequente e está frequentemente ancorado em estratégias de argumentação superficial e falaciosa, incluindo o apelo ao medo e o apelo à ação", como por exemplo o apelo ao voto no Chega.
No que respeita ao estudo com os grupos focais, que contaram com 17 participantes no total, o discurso de ódio indireto é considerado "mais nocivo" do que o direto pelos grupos-alvo do discurso de ódio em Portugal.
Muitas vezes este tipo de discurso manifesta-se como elogio e humor, mas elogiar nem sempre é positivo, tal como o humor, sendo que na base da formação deste discurso de ódio indireto está a utilização de estereótipos negativos e positivos.
"Destaca-se a importância de investigar a diversidade de estratégias retóricas subjacentes ao discurso de ódio encoberto e demonstra-se a fragilidade da maioria das abordagens atuais de deteção automática de discurso de ódio, que negligenciam frequentemente o discurso de ódio encoberto, em geral, e o reconhecimento de elogios e humor, em particular", de acordo com o estudo.