"Os bens que vierem a ser afetos pelo fundador [o empresário conhecido como Joe Berardo] ficarão sujeitos ao encargo expresso da beneficiária [a Fundação] prover à habitação, sustento, educação, saúde e demais despesas, encargos e alimentos do fundador, seu cônjuge e descendentes", pode ler-se no número dois do artigo quinto dos estatutos da Fundação José Berardo, consultados pela Lusa e citados também pela edição do Diário de Notícias da Madeira de 10 de novembro de 1994.
Os estatutos indicam ainda que "no caso da fundação se extinguir antes da morte do fundador ou do último dos seus descendentes, os bens afetos à fundação pelo fundador, ou dos que estejam no lugar deles, reverterão para o mesmo fundador ou seus descendentes".
No domingo foi noticiado pelo jornal Correio da Manhã que o Ministério Público (MP) está a investigar a Fundação José Berardo no âmbito de um processo da Caixa Geral de Depósitos (CGD) contra a Metalgest (‘holding’ ligada a Berardo) no Funchal, para recuperar uma dívida de 61,5 milhões de euros.
Segundo a Procuradoria-Geral de República, citada pelo jornal, uma certidão extraída pelo juiz desse processo “deu origem a um procedimento na Procuradoria de Comércio/Execuções do Funchal”, e tem como base a dúvida do juiz sobre se a Fundação José Berardo, IPSS pode ter como "objeto social ser compatível com investimentos de risco associados à aquisição de ações”.
Em 2015, segundo uma auditoria da EY à Caixa Geral de Depósitos (CGD), a exposição do banco público à Fundação José Berardo era de 268 milhões de euros, depois de uma concessão de crédito de 350 milhões de euros para compra de ações no BCP, dando como garantia as próprias ações, que desvalorizaram consideravelmente e geraram grandes perdas para o banco.
Não é a primeira vez que o Ministério Público investiga a Fundação José Berardo.
Em 1993, o MP já tinha pedido a nulidade dos estatutos da Fundação José Berardo e do ato constitutivo da Fundação, por considerar que permitiam “a evasão e fraude fiscal”.
De acordo com o delegado do Ministério Público à data, Orlando Ventura, na origem do caso esteve “o facto dos estatutos conterem algumas disposições contrárias à lei” que regulava o funcionamento das instituições de solidariedade social, disse à Lusa em 25 de novembro de 1993.
O MP assinalou ainda que os estatutos davam a possibilidade de os bens retornarem às mãos do seu instituidor, o empresário Joe Berardo.
O MP alegou também que a disposição do número dois do artigo quinto, que diz que os bens doados por Joe Berardo à fundação deveriam "prover à habitação, sustento, educação, saúde e demais despesas" do empresário e dos familiares, indicava que a instituição ficava "prioritariamente obrigada à satisfação daqueles encargos, que são próprios dos patrimónios privados".
No entanto, a decisão do tribunal foi maioritariamente favorável à Fundação de Berardo, exceto no ponto três do artigo quinto dos estatutos, que foi declarado nulo e retirado, e que dava ao fundador “para si o direito de dispor, por morte ou por ato entre vivos, dos bens a afetar à Fundação”, podia ler-se na edição de 10 de novembro de 1994 do Diário de Notícias da Madeira, consultada pela Lusa.
Berardo alegou então que aquela alínea “só tinha razão de ser porque a Fundação aguardava na altura resposta ao pedido da sua legalização”, motivada pela então reforma do sistema fiscal.
Em 20 de abril, CGD, BCP e Novo Banco entregaram no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa uma ação executiva para cobrar dívidas de Joe Berardo, de quase 1.000 milhões de euros, executando ainda a Fundação José Berardo e duas empresas ligadas ao empresário.
O valor em dívida às três instituições totaliza 962 milhões de euros.
LUSA