O chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, anunciou hoje numa comunicação ao país que decidiu não renovar o estado de emergência.
Este regime previsto na Constituição que permite suspender o exercício de alguns direitos, liberdades e garantias em situações de catástrofe, entre outras, foi decretado em Portugal pela primeira vez em democracia em março do ano passado, devido à pandemia de covid-19.
O estado de emergência vigorou então durante 45 dias, desde 19 de março, mês em que se registaram os primeiros casos de infeção com o novo coronavírus no país e as primeiras mortes associadas a esta doença, até 02 de maio de 2020, com duas renovações sucessivas.
No total, serão 218 dias de estado de emergência nesta conjuntura de pandemia.
"É a democracia a usar os meios excecionais que ela própria prevê para tempos de gravidade excecional. Não é uma interrupção da democracia, é a democracia a tentar impedir uma interrupção irreparável na vida das pessoas", argumentou Marcelo Rebelo de Sousa, quando o decretou pela primeira vez.
A Constituição determina que "os órgãos de soberania não podem, conjunta ou separadamente, suspender o exercício dos direitos, liberdades e garantias, salvo em caso de estado de sítio ou de estado de emergência".
Para declarar qualquer um destes regimes, aplicando-se o estado de emergência a situações "de menor gravidade" do que o estado de sítio, o Presidente da República tem de consultar o Governo e de ter autorização do parlamento.
O primeiro-ministro, António Costa, manifestou inicialmente dúvidas sobre esta opção, realçando o seu caráter inédito, mas acabou a considerar que era imprescindível prolongar o estado de emergência, que tem só pode durar 15 dias, sem prejuízo de eventuais renovações.
Na altura, foram limitados os direitos de deslocação e fixação no território nacional, de circulação internacional, de propriedade e iniciativa económica privada, direitos dos trabalhadores, de reunião e de manifestação, de liberdade de culto na sua dimensão coletiva e de resistência.
A primeira declaração do estado de emergência foi aprovada na Assembleia da República sem votos contra, com o apoio de PS, PSD, BE, CDS-PP, PAN e Chega, abstenções de PCP, PEV, Iniciativa Liberal e da deputada não inscrita Joacine Katar Moreira. Contudo, o segundo diploma já teve um voto contra e o terceiro maior oposição.
Após três declarações do estado de emergência, no ano passado, o Presidente da República e o primeiro-ministro concordaram que este regime devia acabar no início de maio, quando começou uma reabertura gradual de atividades e estabelecimentos que tinham encerrados devido à covid-19.
Como alternativa, o Governo chefiado por António Costa recorreu em diferentes momentos à Lei de Bases da Proteção Civil para decretar a situação de alerta, a situação de contingência ou a situação de calamidade, no todo ou em partes do território nacional, como base para aplicar medidas de exceção para conter a propagação da covid-19.
No final de outubro, com o número de mortes e de novos casos de infeção por dia a aumentar e quando se avolumavam preocupações de ordem jurídica sobre as medidas restritivas de direitos aplicadas sem estado de emergência, Marcelo Rebelo de Sousa não excluiu um regresso a esse enquadramento legal.
Desta vez, porém, remeteu o primeiro passo para o Governo e realçou o papel decisivo do parlamento neste processo.
Quanto à questão jurídica, o chefe de Estado sustentou que o quadro constitucional e legal português não foi pensado para situações de pandemia, sugerindo que no futuro terá de ser adaptado.
No início de novembro, passados seis meses sem estado de emergência, depois de ouvir o primeiro-ministro pedir que fosse retomado, o Presidente da República fez essa proposta ao parlamento, que a aprovou com votos a favor de PS, PSD e CDS-PP e da deputada não inscrita Cristina Rodrigues.
BE e PAN, que antes tinham votado favoravelmente, passaram para a abstenção, ao lado do Chega, enquanto PCP, PEV, Iniciativa Liberal e a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira votaram contra.
Mais tarde, o estado de emergência chegou a ser aprovado só pelos dois maiores partidos, PS e PSD – ainda assim, uma maioria superior a dois terços da Assembleia da República, correspondente a mais de 80% dos deputados.
Nas últimas sete renovações, contou com o apoio de PS, PSD, CDS-PP e PAN e a abstenção do BE.
Marcelo Rebelo de Sousa falou ao país sempre que decretou o estado de emergência, exceto no período entre o anúncio da sua recandidatura, em 07 de dezembro, e a sua reeleição como Presidente da República, em 24 de janeiro, e numa outra ocasião, em 11 de março, data em se deslocou ao Vaticano e o Governo apresentou o seu plano de desconfinamento.
Nestes mais de cinco meses, os doze decretos do Presidente da República restringiram os direitos à liberdade e de deslocação, para permitir impor, entre outras medidas, o confinamento de doentes com covid-19, de infetados e de pessoas em vigilância ativa e limites à circulação, em todo o território nacional ou ajustados a nível municipal.
Os decretos presidenciais possibilitaram também restrições à iniciativa privada, social e cooperativa, aos direitos dos trabalhadores e ao livre desenvolvimento da personalidade e vertente negativa do direito à saúde, por exemplo, para que pudesse obrigar à utilização de máscara ou à realização de controlos de temperatura corporal e de testes de diagnóstico de SARS-CoV-2 em determinados contextos.
Ao abrigo do estado de emergência, o executivo estabeleceu pela segunda vez um dever geral de recolhimento domiciliário e a suspensão de um conjunto de atividades, a partir de 15 de janeiro, e uma semana mais tarde interrompeu as aulas presenciais.
Em 15 de março, começou o segundo processo de desconfinamento, com nova reabertura gradual de estabelecimentos de ensino e do comércio, dividida em quatro etapas, que prosseguiu em 05 e 19 de abril, embora alguns municípios com maior taxa de incidência não tenham avançado para a fase seguinte.
A última etapa do plano de desconfinamento do Governo está prevista para a próxima segunda-feira, 03 de maio.
C/Lusa