“É um rude golpe para a comunidade portuguesa que vê reduzidas as hipóteses de ter um interlocutor válido, em Caracas, para tratar de assuntos com os bancos em Portugal”, disse à Lusa o empresário António José Andrade, que já fez chegar à sua sucursal em Portugal uma carta manifestando o seu “desagrado”.
O receio de muitos portugueses é que, perante as dificuldades operacionais impostas pela Venezuela, outros bancos portugueses, como o BPI, BES ou o BANIF, deixem o país, alguns deles de maneira “escandalosa”.
A partir de 1 de julho deixará de estar disponível o serviço telefónico de apoio local aos clientes do na Venezuela, na sequência da decisão do banco de encerrar o escritório de representação em Caracas.
A decisão está a causar “preocupação” e “incomodidade” na comunidade lusa local que diz sentir-se “desamparada” depois de ter confiado as suas poupanças à banca portuguesa, explicou o empresário.
“Ficámos desamparados (…) muitas vezes o contacto pessoal, ver e conhecer o nosso interlocutor ajuda em situações complicadas. O conselho administrativo que tomou essa decisão não tem conhecimento cabal de como funcionam as coisas na Venezuela”, disse.
O empresário Antonino de Ponte concorda com as críticas e salienta que este afastamento da banca portuguesa “é incómoda, em especial para as pessoas idosas, que não manejam a Internet como os filhos e netos”.
“Os velhinhos é que fizeram o seu pequeno ou grande império e querem falar com o funcionário, gostam dessa confiança. Nas videoconferências fala-se e vê-se no ecrã, mas não é igual”, disse.
Para o empresário, os bancos portugueses “fazem-nos caso quando temos dinheiro para depositar e quando temos menos quantidade não precisam de nós (…) Queiram ou não, é uma grande coincidência, dá para pensar que é assim mesmo”.
Segundo António José Andrade, a atenção pela Internet não é suficiente, ainda num país que tem “sérios problemas de comunicação” para o estrangeiro e onde “a agência em Caracas muitas vezes funcionava como facilitador das operações”.
Exemplo disso são as confirmações de SMS que eram os funcionários bancários “em Caracas que desbloqueavam a situação”.
“As entidades bancárias que se lembrem que há uns tempos atrás os emigrantes confiaram nelas e aplicaram nelas muitas, para não dizer a totalidade das suas poupanças”, avisou António José Andrade.
Agora, quando os emigrantes estão “numa situação tão delicada como a da Venezuela, ficam desamparados”, desbafou.
Já Antonino de Ponte pediu “apoio” da Embaixada e do Consulado nesta matéria.
Segundo a conselheira das comunidades portuguesas Maria Lourdes Almeida, a comunidade tem questionado o fecho do escritório e que o anúncio tenha sido feito “através de um e-mail aos clientes, 24 horas antes”.
“Nas conversas percebo com preocupação as suas inquietudes e que se sentem abandonados, usados. Quando éramos ‘Alice no País das Maravilhas’, um pulmão de oxigénio para a economia portuguesa, toda a banca fez ofertas para captar os poupadores que hoje apenas querem ver um rosto, falar com ele e não com uma máquina”, disse.
Em 29 de março último o Millennium BCP anunciou que no âmbito do processo de reorganização da rede internacional encerraria o seu escritório de representação em Caracas, na Venezuela no dia 31 desse mesmo mês.
O banco anunciou ainda, numa comunicação aos clientes, que até 30 de junho estaria disponível um serviço telefónico local específico de apoio, para contactar a “equipa habitual do escritório” após o que o acompanhamento seria assegurado pelo Centro de Contacto e pela ‘app’ do banco.
Vários portugueses disseram à Lusa só agora ter percebido “a gravidade” da situação e que o banco começou a pedir certificados de residência aos clientes, recusando-se a aceitar como válidos documentos oficiais da Venezuela como o Registo de Informação Fiscal (RIF, equivalente ao NIF português).