A interpretação é do sociólogo e coordenador científico do Observatório da Emigração, Rui Pena Pires, para quem “há diferenças entre os objetivos das remessas do passado e hoje”.
Em declarações à Lusa, o sociólogo sublinhou a dimensão das remessas enviadas pelos emigrantes para Portugal – 3.677,76 milhões de euros em 2021 – que é semelhante à dos fundos europeus.
Mas ressalvou: “A grande diferença é que as transferências comunitárias contribuem diretamente para o desenvolvimento e as remessas só indiretamente contribuem”.
“Não quer dizer que as remessas não contribuem para o desenvolvimento do país, mas contribuem independentemente do objetivo que têm. Contribuem porque aumentam o poder de compra dos países para onde são enviadas as remessas, para melhorar as reservas cambiais do país e podem ser usadas para investimentos”, disse.
Em rigor, prosseguiu, “as remessas são transferências que visam objetivos privados, particulares, não objetivos coletivos. Podem ser familiares, do próprio, mas são sempre privados”.
Para Rui Pena Pires, as remessas devem ser 50% maiores do que vemos nas estatísticas.
E explicou: “As remessas baixam subitamente com a introdução do euro e vão recuperando. Mas não é uma recuperação, uma vez que aquela queda não aconteceu, porque a entrada no euro implica que alguns movimentos cambiais deixam de ser registados como movimentos cambiais”.
Por essa razão, “parte de remessas que aconteçam na zona do euro tem um défice de registo”, sendo as oriundas da Suíça as que se mantêm com um registo mais elevado.
Em 2021, os emigrantes portugueses na Suíça voltaram a ser os que mais remessas enviaram, totalizando 1.051 milhões de euros durante o ano passado.
Mas a França – o país com mais emigrantes portugueses – provavelmente enviou mais remessas, mas que não foram contabilizadas por falta de registos, indicou.
Os emigrantes mais antigos são os que mais remessas enviam, porque “é a maneira de terem confiança de realização das suas poupanças”.
“Temos histórias de emigrantes portugueses que continuam a construir as suas casas para um dia voltar ou para as férias e continuam a fazê-lo como faziam há 30 anos”, afirmou.
Uma realidade em sintonia com a origem das remessas, “mais relacionada com o ‘stock’ do que com o fluxo”, pois nesse caso os valores maiores encontrar-se-iam nas novas saídas, protagonizadas por emigrantes mais novos e mais diferenciados, para países como o Reino Unido, do Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo).
Sobre os incentivos ao envio de remessas, Rui Pena Pires reconheceu que, dentro da zona euro, não há grandes incentivos a que haja transferências, uma vez que existe um sistema bancário europeu.
“No limite, eu posso comprar uma casa em Portugal, estando a trabalhar no Luxemburgo e com um empréstimo num banco no Luxemburgo. Não preciso de vir a Portugal pedir um empréstimo”, indicou.
Uma realidade “mais facilmente apreendida pelas novas gerações, porque não conheceram outra, do que as dos emigrantes mais antigos, com mais dificuldade em mudar hábitos que adquiriram quando iniciaram o seu processo emigratório”.
Portugal foi o país da União Europeia (UE) que apresentou o valor mais elevado de remessas recebidas, segundo o Banco de Portugal.
Dados das Nações Unidas indicam que, em 2019, haveria no mundo um pouco menos de 2,6 milhões de pessoas nascidas em Portugal a viver no estrangeiro, o que representa cerca de 25% da população residente no país naquele mesmo ano.
Estes dados apontam para um crescimento da proporção de emigrantes portugueses a viver na Europa e assinalam também uma manutenção da emigração portuguesa no continente americano e um maior crescimento da fixada em África.
O número de portugueses que emigraram em 2020 foi o mais baixo dos últimos 20 anos, um valor para o qual contribuiu a covid-19 e o ‘Brexit’ (saída do Reino Unido da UE), segundo o relatório anual do Observatório da Emigração, apresentado em dezembro do ano passado.
O documento indicou que, de 80 mil saídas em 2019, esse número baixou para 45 mil em 2020.