“Percorridos com a devida atenção os 128 volumes e 27.551 folhas, algumas com frente e verso, dos três processos, podemos afirmar sem qualquer dúvida que enxergado não foi o mínimo indício de responsabilidade disciplinar relativamente a qualquer dos vários juízes de Comarca, da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal de Justiça”, pode ler-se nas conclusões do relatório do inspetor judicial extraordinário Raul Borges, que foram hoje conhecidas e que propõem o “arquivamento dos autos”.
O órgão de gestão e disciplina dos juízes instaurou o processo de averiguações em 06 de outubro de 2021, após João Rendeiro anunciar em 28 de setembro que estava no estrangeiro e que não voltaria a Portugal, no dia em que o ex-banqueiro foi condenado no terceiro processo. Porém, já somava duas condenações noutros dois processos relacionados com o colapso do BPP, sendo que a primeira – de cinco anos e oito meses – estava prestes a transitar em julgado.
“O trânsito em julgado foi certificado no Tribunal Constitucional como se tendo por verificado em 16-09-2021, em nosso entendimento, como já expresso, de forma não correta. De qualquer forma, nessa data já João Rendeiro se encontraria no Reino Unido, pois saiu do país em 12 de setembro de 2021”, refere o relatório.
Contudo, apesar de descartar a existência de indícios de responsabilidade disciplinar, o juiz conselheiro nomeado pelo CSM admitiu que “nem tudo terá corrido da melhor forma, se bem que sem ação direta dos juízes” envolvidos nos processos. Entre outros aspetos, apontou a questão da certificação do trânsito em julgado da primeira condenação de João Rendeiro, que não teria seguido os prazos previstos.
“Urge tomar a noção de que há que ter em conta os necessários empenho e rigor, só devendo ter lugar a certificação após se mostrar certificada a concessão de possibilidade do exercício do contraditório e expressão de reação, dentro dos prazos, consoante o caso, de 10 ou 30 dias. Como se viu, nem o Ministério Público nem o requerente foram notificados do despacho da Exma. Conselheira Relatora Mariana Canotilho de 16 de setembro de 2021. Tal não terá obstado a que fosse certificado o trânsito nesse exato dia 16 de setembro de 2021”, explica.
O inspetor judicial extraordinário Raul Borges realçou ainda a ausência de comunicação dos autos dos processos entre tribunais superiores e de primeira instância.
“Deverá ser estabelecida relação comunicacional, por forma a que o tribunal de primeira instância, a quem compete tomada de posição sobre eventual alteração do regime de medidas de coação, tenha real e atualizado conhecimento do estado dos autos”, vincou. No primeiro processo os autos subiram à Relação em maio de 2019 e só voltaram à primeira instância em outubro de 2021, com o juiz do processo sem ter conhecimento dos autos neste período.
Por outro lado, o relatório esclarece também – como já tinha sido divulgado na semana passada numa informação do Juízo Central Criminal de Lisboa – que João Rendeiro “jamais manifestou que padecesse de doença cardíaca, nem nunca juntou atestado que o atestasse” ao longo dos três processos. Em termos de saúde, o antigo banqueiro apenas indicou intervenções cirúrgicas à coluna como justificação para faltar a sessões dos julgamentos.
Detido em 11 de dezembro na cidade de Durban, na África do Sul, após quase três meses fugido à justiça portuguesa, João Rendeiro foi presente ao juiz Rajesh Parshotam, do tribunal de Verulam, que lhe decretou no dia 17 de dezembro a medida de coação mais gravosa, colocando-o em prisão preventiva no estabelecimento prisional de Westville. O julgamento do processo de extradição vai decorrer entre 13 e 30 de junho.
O ex-banqueiro foi condenado em três processos distintos relacionados com o colapso do BPP, tendo o tribunal dado como provado que retirou do banco 13,61 milhões de euros. Das três condenações, apenas uma já transitou em julgado e não admite mais recursos, com João Rendeiro a ter de cumprir uma pena de prisão efetiva de cinco anos e oito meses.
João Rendeiro foi ainda condenado a 10 anos de prisão num segundo processo e a mais três anos e seis meses num terceiro processo, sendo que estas duas sentenças ainda não transitaram em julgado.
O colapso do BPP, em 2010, lesou milhares de clientes e causou perdas de centenas de milhões de euros ao Estado, já depois do caso BPN e antecedendo outros escândalos na banca portuguesa.
Lusa