Numa recente música de ‘rap’, um grupo de músicos dissidentes subverteu o emblemático ‘slogan’ da revolução cubana – “Patria o Muerte!” (Pátria ou Morte!), substituindo-o por “Patria y Vida” (Pátria e Vida), fornecendo uma das mais repetidas palavras de ordem das manifestações em Cuba do passado fim de semana.
Em vários pontos da ilha, ao longo de todo o dia, milhares de cubanos gritaram cânticos como este contra o regime de Havana, criticando a forma como o Governo do Presidente Miguel Díaz-Canel tem conduzido a luta contra a pandemia de covid-19, que agravou substancialmente a já difícil situação económica, provocando escassez de alimentos e de medicamentos.
“O impacto da pandemia de covid-19 é um fator importante, contribui para a crise de Cuba. Mas a realidade é que a economia de Cuba já era precária”, disse à Lusa Moisés Naim, analista do Carnegie Endowment for International Peace e colunista em vários meios de comunicação nos EUA.
Naim lembrou que Cuba “se conseguiu desenvolver devido ao apoio da antiga União Soviética e, depois, da Venezuela de Hugo Chávez”, mas nunca se conseguiu livrar de uma delicada instabilidade económica, que há muitos anos permanece como uma “bomba-relógio”, pronta a fazer explodir politicamente o regime.
“Mais tarde ou mais cedo – e mais cedo que mais tarde – a insustentável situação económica de Cuba levará a uma revolta da população, que não aguenta perceber que não há uma saída para esta crise”, explicou à Lusa Rafaela Palacio, investigadora mexicana especialista em América Latina que leciona na Universidade de Salamanca, em Espanha.
Para Palacio, com a saída de Raúl Castro do Governo – em primeiro lugar – e da liderança do Partido Comunista Cubano – mais recentemente – a população cubana sentiu um certo sentimento de “orfandade” em relação a uma revolução que já não responde às suas necessidades e aos seus "sonhos".
“E isso pode ser fatal para o regime. As manifestações dos passados dias são uma demonstração de fragilidade do regime. Os confrontos policiais são um sintoma de divórcio entre a sociedade e o poder, entre as pessoas na rua e o regime que lhes tinha dito que eram uma e a mesma coisa”, acrescentou a investigadora que viveu em Cuba, nos anos 1990.
Mas é, sobretudo, a crise económica o que está por detrás do desencanto dos cubanos que saíram às ruas, bem ilustrada pelos sucessivos cortes de eletricidade que tem afetado várias cidades, especialmente Havana.
“A causa central são as políticas económicas que o regime de Castro impôs desde que chegou ao poder”, conclui Moisés Naim, que menospreza a influência do embargo imposto por Washington como fonte de dificuldades para o regime.
Para este analista da Fundação Carnegie, o impacto das sanções económicas dos EUA é “insignificante”, servindo apenas de “desculpa conveniente, usada pelo regime e pelos seus apologistas no exterior”.
Também por isso, Rafaela Palacio insiste na tese de que o regime de Havana terá de encontrar uma rápida solução para a crise, deixando de insistir na tese de que Washington é responsável pela grave situação em que vivem os cubanos.
“Os cubanos já desacreditaram dessa ideia. Até porque se lembram de que, com a suavização das medidas sancionatórias dos EUA, no tempo do ex-Presidente Barack Obama, pouco ou nada mudou. E o que mudou revelou que a culpa estava em Havana e não em Washington”, acrescentou a investigadora.
Palacio mostrou-se muito “preocupada” com o efeito da pandemia na sociedade cubana, até porque veio destruir um dos últimos mitos da revolução de Fidel Castro: a de que a ilha tinha um sistema de saúde exemplar.
Cuba registou um novo recorde diário de contágios e mortos devido à covid-19, com 6.923 novos casos nas últimas 24 horas, num total de 238.491, e 47 mortos, subindo o total desde o início da pandemia para 1.537.
“O Governo não está a conseguir controlar a pandemia. A economia não vai sobreviver à pandemia. E não sei se o regime político vai sobreviver ao agravamento da crise económica”, concluiu Rafaela Palacio.