Na semana passada, o ministro das Infraestruturas afirmou, no parlamento, que a administração da TAP pediu uma auditoria por suspeitar estar a pagar mais pelos aviões – adquiridos na gestão dos acionistas privados – do que os concorrentes e que o Governo encaminhou as conclusões para o Ministério Público.
Hoje, numa reação escrita em resposta a um pedido da Lusa, o ex acionista privado da TAP, através do consórcio Atlantic Gateway, e que levou a cabo a renovação da frota da companhia, diz ter sido "surpreendido" pela auditoria, e conclusões, feita à gestão do seu período.
"Essa declaração, de um alto representante do Estado Português sobre um investidor estrangeiro que, a tempo, impediu a falência da companhia bandeira do país, não pode ficar sem uma resposta", diz.
Neeleman recorda que um dos pontos chave do Plano Estratégico para a TAP – aprovado por todos os intervenientes no processo de privatização (Estado incluído, refere) – a que o consórcio "se propôs e cumpriu" consistia na renovação da frota, uma das "mais envelhecidas da Europa", pelo que era "urgente" o seu rejuvenescimento como "uma das condições de sobrevivência e crescimento futuro" da companhia.
"A aquisição dos aviões à Airbus foi uma negociação complexa e morosa, mas que concluímos com sucesso e que permitiu concretizar a necessária e urgente renovação da frota, que "foi reconhecida por todos quantos analisaram o Plano Estratégico para a TAP e que justificou a escolha do nosso consórcio para adquirir a TAP", afirma David Neeleman.
O consórcio Atlântico Gateway – composto pelos acionistas Neeleman e o empresário português Humberto Pedrosa – venceu a privatização da TAP, levada a cabo pelo Governo do PSD/CDS-PP, operação que foi parcialmente revertida em 2015.
"Os novos aviões da TAP foram adquiridos a preço de mercado, como demonstram as várias avaliações independentes apresentadas e confirmadas pelo rigoroso e exaustivo escrutínio político e técnico, típicos e desejáveis quando se trata de um processo de privatização e de um processo de reorganização acionista com o Estado Português", sublinha o ex-acionista.
Neeleman reforça ainda esta ideia com a garantia do interesse de uma grande companhia aérea – cujo nome não menciona, mas que quando saiu da TAP confirmou como sendo a Lufthansa –, na compra da transportadora portuguesa.
"Dúvidas houvesse sobre a decisão de renovação da frota, sobre a capacidade da equipa de gestão ou sobre os preços por esta negociados com a Airbus e poucas semanas antes da pandemia, um grande "player" da aviação europeu, referência mundial acima de qualquer suspeita, apresentou-nos uma oferta por uma participação na TAP, que avaliava a empresa em quase mil milhões de dólares. Oferta essa que naturalmente só foi formalizada pelo ‘player’ depois de um processo de ‘due diligence’ rigoroso. Alguém concebe que essa oferta teria surgido se os contratos celebrados para a renovação da frota da TAP estivessem fora dos ‘standards’ [padrões] de mercado?", questiona.
Em entrevista à Bloomberg, em 23 de abril de 2021, Neeleman disse que esteve para vender a sua participação na TAP – detida em 45% pelo consórcio, do qual tinha 50% do capital – por 250 milhões de dólares.
Ainda sobre o escrutínio feito, acrescenta que toda a estrutura contratual relativa à compra dos novos aviões entre a Airbus, Atlantic Gateway e TAP, bem como todos os passos necessários, "foram dados a conhecer aos intervenientes e decisores relevantes, em momento anterior à privatização e no momento da reorganização acionista e foram, como tinha de ser, objeto de análise posterior pelo Tribunal de Contas".
"Não foram levantadas quaisquer reservas", reforça.
O empresário chama a atenção para o facto de em 2016 – quando negociou a reconfiguração acionista com o novo Governo em funções – todo o processo de privatização e Plano Estratégico terem sido reavaliados.
"Nessa altura, o novo Governo reconheceu expressamente que o plano de capitalização estava a ser cumprido e aceitou o Plano Estratégico que tinha sido delineado e já estava a ser implementado, tendo como pilar, mas não só, a compra da nova frota", refere, dando ainda nota, por outro lado, que o Estado, mesmo no contexto de privatização da companhia, nunca deixou de ser acionista da TAP, primeiro com 31%, depois com 50% e, nos últimos anos, com a totalidade do capital social.
Assim, durante os sete anos de coexistência com os acionistas privados da TAP, "o Estado nunca deixou – como era seu legítimo direito – de nomear múltiplos administradores".
"Recordando", diz: "No início, [o Estado] nomeava dois administradores, logo depois passou a nomear seis em doze, sempre incluindo o presidente do Conselho de Administração [CA]. Em momento algum, ao longo de todos esses anos, um destes administradores ou o presidente do Conselho de Administração, suscitou qualquer dúvida desta natureza sobre o Plano Estratégico, sobre os referidos contratos ou sobre qualquer ato de gestão dos administradores indicados pela Atlantic Gateway".
Uma atitude diferente também seria, para David Neeleman, "de resto, de estranhar", já que da implementação do Plano Estratégico até à pandemia "o Estado não foi chamado a colocar um euro que fosse na companhia aérea e foi possível inclusive refinanciar a dívida, por forma a que deixasse de ser garantida pelo Estado Português".
Miguel Frasquilho foi o presidente do CA da TAP nomeado pelo Estado de junho de 2017 até junho de 2021.
Neeleman diz, também, que, "apesar de viver nos Estados Unidos e já não acompanhar o dia a dia da empresa", continua "a gostar muito da TAP", mostrando-se "sempre disponível para prestar todos os esclarecimentos a quem de direito, sempre que se entenda necessário no sentido de clarificar qualquer eventual dúvida", daí lamentar que a atual administração da TAP tenha realizado uma auditoria à gestão do seu tempo, sem dirigir "qualquer pergunta ou pedido de esclarecimento" à sua equipa, questões que às quais teriam "respondido com todo o gosto".