Os julgamentos com tribunal de júri são uma situação "raríssima" na Madeira e, nas últimas três décadas, apenas ocorreram em seis processos, incluindo no julgamento do homicídio do ex-deputado do CDS Carlos Morgado, que começa na quinta-feira.
"É raríssimo e muito pouco vulgar, foram seis nos últimos 30 anos e é uma situação rara, não é normal", disse o presidente da Comarca da Madeira, Paulo Barreto, à agência Lusa.
Destes seis casos que encontrou na sua pesquisa, o mais antigo, datado de 1990, ficou conhecido como o "caso Ivone", cujas audiências decorreram no tribunal de Santa Cruz (o concelho vizinho a este do Funchal).
O processo teve por base o desaparecimento de uma mulher (Ivone), cujo namorado foi julgado depois de ter confessado que agrediu a rapariga e que esta perdeu os sentidos. Em sede de interrogatório, disse ter colocado o corpo em cima de um muro na orla costeira no norte da ilha para ir desligar os faróis da viatura e que, quando regressou, este tinha desaparecido.
Foi condenado a prisão, mas até hoje não se sabe o que realmente aconteceu com a mulher.
Três anos mais tarde, no mesmo tribunal, os jurados foram chamados para julgar o padre Frederico Cunha e o seu afilhado José Miguel Noite, num processo no qual o sacerdote foi condenado a um cúmulo jurídico de 13 anos de prisão, pelos crimes de homicídio e homossexualidade com menor.
A 23 de junho de 2005, no tribunal de Vara Mista do Funchal, um tribunal de júri participou no julgamento de um pescador madeirense que, em fevereiro de 2004, foi acusado de sequestrar a filha de dois anos (Sofia) e sempre se recusou a divulgar o seu paradeiro.
Foi condenado a prisão por nove anos pelos crimes de coação na forma tentada, sequestro e subtração de menor, mas o Supremo Tribunal de Justiça acabou por reduzir a pena para seis anos e cinco meses, mantendo a condenação pelos crimes de sequestro e coação.
O pescador saiu em outubro de 2013 do Estabelecimento Prisional do Funchal, na Cancela, e nunca revelou o paradeiro da menina, que consta da lista de desaparecidos da Polícia Judiciária.
Em 2007, um outro tribunal de júri julgou uma mulher pelo homicídio qualificado da filha. Segundo a acusação, deu-lhe bolachas e um sumo envenenados, durante uma visita à criança, na altura à guarda de uma instituição.
A 14 de junho de 2010, o tribunal de júri considerou-a "inimputável", acrescentando que o crime aconteceu "num ato de suicídio alargado" e decidindo interná-la numa casa de saúde.
Num outro julgamento, a novembro de 2012, novamente um tribunal de júri acabou por absolver uma mulher de 23 anos que estava pronunciada pelo crime de homicídio qualificado na forma tentada, ocorrido em agosto de 2011 em Câmara de Lobos.
Foi alegado que o crime foi praticado em legítima defesa.
O próximo julgamento com um tribunal de júri na Madeira acontece com base no requerimento da defesa dos dois arguidos, na quinta-feira, na Instância Central do Funchal.
Um casal está acusado de homicídio qualificado, por especial perversidade, roubo e profanação de cadáver.
A vítima é o professor reformado e ex-deputado do CDS Carlos Morgado, que foi estrangulado. O cadáver foi desmembrado e encontrado meses depois num terreno baldio, nos arredores do Funchal.
Segundo o presidente da Comarca da Madeira, para este tribunal de júri foram escolhidos como quatro jurados efetivos dois homens e duas mulheres. Há ainda o mesmo número de suplentes (três homens e uma mulher).
Paulo Barreto recordou que os oito "assistem ao julgamento todo" e que em fase de deliberação "os suplentes já não vão, porque só os efetivos têm direito a voto".
"No fundo é um julgamento com sete juízes, três de carreira e os quatro jurados", referiu, adiantando que "a justiça é feita em nome do povo", pelo que é "favorável a estas participações" dos cidadãos.
"Trazer o cidadão para envolvê-lo na decisão da justiça, o que tem muito a ver com a participação dele, que é aferir os factos; a convicção do que está ou não provado, com base na sua experiência de vida pessoal. É uma experiência que vem de fora para dentro, que não é de juiz de carreira. Acho que é uma decisão benéfica e útil para o nosso Estado de Direito", concluiu.
C/Lusa