O relatório final do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF), a que a agência Lusa teve hoje acesso, explica que, quando se aproximava para a segunda largada de água, “ao transpor um obstáculo constituído por linhas de alta tensão”, o balde e o rotor de cauda do AS350-B2, tocaram nos cabos, levando à perda de controlo do aparelho.
“A perda de controlo da aeronave foi inevitável e consequente queda em rotação, percorrendo uma distância total de 84 metros até se imobilizar sobre o seu lado esquerdo, seis segundos após o impacto com os cabos. Após o embate com o solo, de imediato deflagrou um incêndio intenso que consumiu a aeronave na totalidade. O piloto e único ocupante da aeronave foi ferido fatalmente”, refere o GPIAAF.
Noel Ferreira, de 36 anos, era ainda piloto da Força Aérea Portuguesa, na Esquadra 751, sediada no Montijo, que opera o helicóptero EH-101 em missões de busca e salvamento, e também comandante dos Bombeiros Voluntários de Cete, em Paredes, distrito do Porto, que, “no momento do acidente, estava entre outras, a combater o incêndio no terreno”.
O Eurocopter descolou às 15:10 de uma base privada da Afocelca (grupo Navigator), em Valongo, distrito do Porto, com uma equipa de cinco bombeiros e o equipamento de combate a incêndios composto por cesto e balde. Após largar a equipa de intervenção no solo, e de ter sido posicionado o balde, o piloto voou para um ponto de água próximo para o primeiro abastecimento e descarga no incêndio.
Repetido o ciclo, na segunda aproximação ao incêndio e em coordenação com um outro meio aéreo que operava no local, “o piloto, conhecedor da existência e localização” das linhas elétricas, “define a trajetória para a segunda largada”.
“Após transpor uma primeira linha devidamente sinalizada de muito alta tensão, composta por 14 condutores, a aeronave e o balde suspenso colidiram com uma segunda linha. Esta segunda linha, composta por 8 condutores, estava posicionada a uma cota inferior e a cerca de 45 metros de distância horizontal da primeira”, conta o relatório.
As linhas nas quais o helicóptero colidiu não estavam sinalizadas, mas a investigação ressalva que, “atendendo à atual regulamentação, tal sinalização não é requisito, uma vez que estavam na área de influência de outra linha mais alta sinalizada”.
Após a colisão, sem rotor de cauda nem estabilizador vertical, o aparelho “iniciou um voo descontrolado até colidir com o terreno”.
“O corpo do piloto foi encontrado a 5 metros à direita do assento do cockpit, (…), situação que não pode ter resultado da queda nem da explosão, evidenciando assim movimentação autónoma do mesmo após a queda”, concluíram os investigadores.
Segundo o relatório, o piloto registava 180 horas de experiência de tempo total de voo no modelo AS350-B2, maioritariamente em operações de combate a incêndios, em que participava desde 2018.
Na parte da avaliação de risco, o GPIAAF sublinha que, ao cenário físico e às condicionantes verificadas, “não se pode excluir que para o acidente tenha contribuído um outro fator adicional, nomeadamente que o piloto sentisse um ou vários dos tipos de pressão caracterizados numa circular da ICAO – Organização Internacional de Transporte Aéreo: pressão mental decorrente da operação, pressão motivacional e pressão dos pares”.
“Estando o piloto a combater um incêndio por via aérea quando no terreno estava uma corporação de bombeiros voluntários em relação à qual, além da partilha do espírito de missão e de uma relação de companheirismo, havia também uma ligação hierárquica onde o piloto era o comandante dessa corporação, não se pode excluir que pudesse haver, em determinado grau, uma propensão para desvalorizar ou relativizar os riscos, em busca do melhor sucesso no rápido domínio do incêndio”, salienta o relatório.
No entanto, segundo os investigadores, “a atitude mental com foco nas condições do voo é determinante nas necessárias e constantes avaliações do risco requeridas a um piloto com as inúmeras ameaças apresentadas no cenário vivenciado, especialmente em situações de voo em que não existem regras concretas e rigorosas de atuação, como é o caso destas operações junto a linhas aéreas”.
C/Lusa