Numa sala de audiência com cerca de meia centena de pessoas, Cláudia Simões, que é arguida e assistente neste processo, prestou declarações durante quase duas horas e assegurou que mordeu o polícia porque receou pela vida.
“Se eu não lhe mordesse o braço, morria”, afirmou, descrevendo ter sofrido lesões num olho, na boca, no cabelo, numa perna e num braço.
O caso terá sido originado por Cláudia Simões ter entrado no autocarro com a filha, sendo que esta não teria o passe.
Garantiu também que esta foi a única conversa que teve com o motorista do autocarro, rejeitando mais desentendimentos e explicando que estava a falar ao telemóvel com uma tia quando foi abordada pelo agente da PSP e que este alegadamente a agarrou sem que tivesse havido identificação prévia.
Nas declarações, em que foi alvo de sucessivos reparos pela juíza-presidente do coletivo, Catarina Pires, por interromper as perguntas, Cláudia Simões referiu que Carlos Canha a arrastou então para a paragem, lhe aplicou um ‘mata-leão’ (golpe de imobilização usado nas artes marciais) e depois a insultou e agrediu na viagem de carro até à esquadra.
Como consequência, Cláudia Simões frisou ter ficado “uns três meses em casa” após este episódio e que ainda hoje sente dores na cabeça e na boca. Sobre o comportamento dos outros dois agentes igualmente arguidos neste processo, declarou que Fernando Rodrigues e João Gouveia “não fizeram nada, mas aperceberam-se do que se estava a passar”.
Questionada sobre o impacto da situação, assumiu que o caso deixou marcas. “Quando vejo polícias na rua, tenho medo. Hoje estou acordada desde as 03:00, nem consegui dormir. (…) Senti-me mal, senti humilhação e pensei em sair do país”, disse, destacando os reflexos na filha: “Faz até hoje consultas com o psicólogo. Teve muitos problemas, tentou atirar-se da janela da cozinha… Ela acha que eu sofri isto tudo porque ela é que se esqueceu do passe”.
O depoimento ficou ainda marcado pelo pedido da magistrada para retirar a peruca, a fim de mostrar as consequências das alegadas agressões no couro cabeludo, pois Cláudia Simões indicou que lhe tinha sido “arrancado o cabelo todo”. Pouco depois, uma das defesas pediu mais esclarecimentos e a juíza-presidente voltou a pedir para retirar a peruca, gerando algumas reações de desagrado entre o público, ao que Catarina Pires ordenou à GNR para retirar então da sala de audiência as pessoas que se manifestassem.
Já Carlos Canha, igualmente arguido, refutou a existência de agressões, ao notar que procurou apenas recorrer a “técnicas de imobilização” perante a suposta resistência de Cláudia Simões. Vincou também que tudo ocorreu já depois do seu turno, mas que ainda se encontrava de uniforme e que foi nessa condição que abordou Cláudia Simões, perguntando-lhe o nome e o que se passava.
Apesar de explicar que estava “calmo”, o polícia alegou depois que “algum nervosismo” perante uma situação de resistência e de confusão à sua volta, com “15 a 20 pessoas”, tendo sido “puxado pelos braços por várias pessoas” e agredido com um pontapé nas costas. Apontou ainda um contexto racial para uma maior tensão naquela situação: “Era um polícia branco a algemar uma senhora negra, perante uma maioria de pessoas negras”.
Carlos Canha adiantou ter sido mordido por três vezes no braço direito por Cláudia Simões e que ficou “com sangue e a roupa rasgada”. Porém, negou quaisquer agressões na viagem na viatura da PSP – que disse ter demorado “dois ou três minutos” – ou na esquadra e admitiu não se lembrar de ferimentos em Cláudia Simões, com exceção de um inchaço no lábio inferior da boca da arguida.
O julgamento prossegue agora na próxima quarta-feira.