Na Praça do Município de Lisboa, as portas da sala do recrutamento abriram pelas 10h00, foram disponibilizadas 15 mesas para as entrevistas de trabalho, com intérpretes para a tradução do ucraniano para o português e vice-versa, e a procura dos refugiados da guerra na Ucrânia preencheu o espaço, inclusive com uma fila na receção.
A viver em Portugal há três meses, Anastasia veio da cidade ucraniana de Kiev, com a irmã, para se afastar da guerra na Ucrânia, onde tem ainda toda a restante família. Trabalhava na área de marketing, mas agora a perspetiva é outra: “Estou apenas a tentar encontrar algo aqui, porque comecei a aprender português. Eu quero fazer algo útil”.
Comunicando em inglês, em declarações à agência Lusa, a jovem agradece o apoio de Portugal no acolhimento aos refugiados da Ucrânia e diz-se “tão impressionada” com a iniciativa de recrutamento, promovida pela Câmara de Lisboa e pelo grupo empresarial multinacional Sonae, que tem disponível cerca de 300 oportunidades de emprego na região da Grande Lisboa.
Também vinda de Kiev e a viver na zona de Lisboa há três meses, Oksana Pozniak, de 28 anos, escolheu Portugal por ser “um país muito protetor”. Veio com as mulheres da família, os homens ficaram na Ucrânia.
Depois da entrevista de trabalho, a ucraniana conta que a expectativa que tem é encontrar um emprego que coincida com as suas capacidades profissionais e com o seu sonho de “trabalhar com crianças”.
“Espero ficar em Lisboa, ficar em Portugal e concretizar as minhas oportunidades, mas se guerra no meu país acabar, é claro que sonho poder voltar para a minha casa”, expôs Oksana, referindo que, se as oportunidades em Portugal corresponderem, poderá ficar por cá “um, dois ou três anos”.
A viver na capital portuguesa há duas décadas, o luso-ucraniano Petro Kolotylo, de 62 anos, também apareceu para o dia do recrutamento. Já trabalhou na construção civil, mas há dois anos foi operado à coluna e deixou de trabalhar. No dia 19 de março foi buscar as netas à Ucrânia, que já vão frequentar a escola em Portugal.
O luso-ucraniano vive do rendimento social, “mas é pouco dinheiro”, pelo que procura um trabalho qualquer, por exemplo, empregado de limpeza ou varredor, “mas levezinho”.
A ajudar como intérprete, Larissa, de 55 anos, é ucraniana, sabe falar ucraniano e russo, mas também português, porque vive há 18 anos em Benavente, em Santarém. Como funcionária do grupo Sonae, decidiu voluntariar-se para o dia do recrutamento, por saber que “é muito complicado” para os refugiados da Ucrânia comunicarem com um idioma diferente.
“Quando a pessoa não sabe explicar o que ela quer, fica nervosa. Quando está a ouvir a sua língua materna, acalma, quer desabafar e dizer o que quer dizer, a sua opinião, as suas preocupações […]. Quando vais emigrar para um país e não podes explicar coisas é complicado, é complicado, é como iniciar a vida a partir do zero”, relata a ucraniana.
Depois de várias entrevistas de trabalho, Larissa conta à Lusa que os refugiados da Ucrânia vêm “à procura de estabilidade e segurança”, pelo que “é muito importante ouvir as pessoas neste momento, dar um pouco apoio, porque a guerra trouxe para todo o mundo uma tristeza”.
Presente no dia do recrutamento, que decorreu até às 18:00, a vereadora dos Direitos Humanos e Sociais na Câmara de Lisboa, Laurinda Alves, realçou a importância desta iniciativa, que “tem dois impactos imediatos”, nomeadamente permite que as pessoas se sintam “validas, valorizadas, acolhidas, ouvidas naquilo que são as suas competências, os seus talentos, a sua experiência e também as suas aspirações legítimas”.
Outros das consequências “é o impacto que contagia outras empresas, contagia outras organizações a fazer o mesmo”, disse Laurinda Alves, referindo que os 1.000 postos de trabalho disponibilizados a nível nacional para diversas áreas do grupo Sonae “não esgotam as necessidades das pessoas refugidas ucranianas, mas é um ponto de partida”.
“Para chegarmos juntos a esse ponto de chegada que era ver todas as pessoas integradas e já com autonomia, a conseguir ou falar a língua ou estabilizar a sua vida enquanto aprendem a língua e já a acrescentarem valor”, declarou a vereadora.
Lisboa já recebeu “mais de 5.000 pessoas” refugiadas da Ucrânia e a câmara tem em curso o programa municipal de emergência ”VSI TUT – Todos Aqui” para ajudar na integração, com medidas de alojamento, emprego, educação, saúde, mobilidade, cultura, desporto e apoio social, lembrou a autarca, ressalvando que estas pessoas “não vêm tirar casas aos lisboetas”, porque o alojamento é através do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), que se disponibiliza para apoiar as rendas.
A Rússia lançou em 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que já matou mais de três mil civis, ainda que o número real deverá ser muito maior, segundo dados da ONU, contabilizando também a fuga de mais de 13 milhões de pessoas, das quais mais de 5,5 milhões para fora do país.