A concentração foi marcada para as 15:00, no Campo Pequeno, mas o caminho fez-se pouco depois em direção à sede da União das Misericórdias, a poucos metros de distância, para, de forma bastante audível, deixarem claras as reivindicações que uniam as cerca de 200 pessoas.
Maria Helena Saraiva, funcionária da Santa Casa da Misericórdia de Ílhavo, técnica de farmácia numa Unidade de Cuidados Continuados, contou à Lusa que há quem esteja “há 40 anos a ganhar o ordenado mínimo”.
“Não temos diuturnidades, não temos tempo de serviço, estamos com os ordenados parados desde dois mil e qualquer coisa. Queríamos que o tempo de serviço fosse contado, algumas ainda estão a trabalhar 40 horas tanto nas unidades, como nas creches, como no apoio domiciliário, como amas”, denunciou.
Segundo esta trabalhadora, hoje “foi um dia histórico para a Santa Casa de Ílhavo” porque, “pela primeira vez”, houve unidades fechadas, entre creches e outros serviços, em sequência da adesão à greve decretada para o dia de hoje.
Segundo a dirigente sindical da Federação Nacional dos Trabalhadores em Funções Públicas (FP) Elisabete Gonçalves, a adesão à greve rondou os 95% a nível nacional.
Em declarações à agência Lusa, a responsável, que é coordenadora do FP para o setor social, explicou que esta “é uma luta que se arrasta desde 2015, 2016” e que tem a ver com a “valorização salarial” dos trabalhadores das misericórdias de todo o país, bem como o cumprimento do contrato coletivo de trabalho, a regulação dos horários de trabalho e a “valorização concreta dos trabalhadores”.
“Nós estamos em negociações com estes senhores e estes senhores da UMP não abrem mão, ou seja, o que eles fazem pura e simplesmente é dizer que estes trabalhadores são trabalhadores de salário mínimo nacional, são as tabelas que eles nos apresentam”, criticou.
Segundo a sindicalista, a UMP não considera a competência que é adquirida ao longo da profissão, nem a antiguidade dos trabalhadores, apontando que para a organização “todo o trabalhador que está na União das Misericórdias é trabalhador de salário mínimo nacional”.
Elisabete Gonçalves sublinhou que o salário mínimo “não é uma valorização salarial” e que, por isso, a UMP “deve valorizar para além do salário mínimo nacional”.
Segundo a responsável, não estão a decorrer negociações entre as partes, adiantando que enviaram uma proposta negocial e reivindicativa, estando a aguardar uma resposta por parte da UMP para a primeira ronda de negociações, vaticinando desde já que “se for acontecer o mesmo que tem acontecido nos últimos anos”, o sindicato vai ser remetido para a “conciliação no Ministério do Trabalho através da DGERT [Direção-geral do Emprego e das Relações do Trabalho]”.
“Eles [UMP] não fazem negociações diretas connosco, pretendem sempre uma mediação do Ministério”, apontou.
A dirigente sindical foi, aliás, bastante critica quanto à atuação do Estado em relação ao setor social, defendendo que deveria haver um papel mais interventivo e fiscalizador, tendo em conta que são atribuídas anualmente verbas públicas a estas instituições, através dos acordos de cooperação.
“É lamentável que o Estado não intervenha para verificar as condições de trabalho dos trabalhadores, para verificar no fundo o respeito que existe pelo contrato coletivo de trabalho”, censurou, apontando que estão em causa trabalhadores que “fazem funções sociais do Estado”.
Por outro lado, defendeu que nos acordos de cooperação deveria ser contemplada uma verba para atualização salarial, sublinhando que o que acontece é que o aumento do salário mínimo é justificação para aumentar o valor dos acordos de cooperação, mas depois esse aumento não reflete no salário dos trabalhadores.
O baixo valor dos salários foi uma das razões que levou Teresa Costa, dirigente sindical e funcionária numa Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), a solidarizar-se com os restantes trabalhadores, apontando que conhece bem “as misérias que se passam nas misericórdias”, desde “a falta de respeito pelos trabalhadores” à “miséria de ordenado”.
Já Sandra Marques, ajudante familiar na Santa Casa da Misericórdia de Almada, pediu “mais respeito”, lembrando que se os trabalhadores estiverem bem vão com certeza prestar um serviço muito melhor e que estão em causa pessoas que “trabalham muito e que trabalham para os utentes de coração”.
A FP entregou na UMP um abaixo-assinado com 1.800 assinaturas e a dirigente sindical Elisabete Gonçalves deixou a garantia de que outras ações se seguirão e que irão continuar a luta, sublinhando que não podem “deixar na mão” aqueles trabalhadores.
Lusa