Segundo a providência cautelar, Etienne Alexandre Cadosch e Michel Charles Creton invocam três motivos: “A suspensão do exercício de funções do Dr. Ivo Rosa como titular do lugar de J2 [juiz dois, em nove magistrados], desapossando-o, ilegalmente, desse lugar e afetando-o, abstratamente, ao Tribunal Central de Instrução Criminal; O sequente preenchimento do lugar de J2 por outro magistrado, em comissão de serviço; a afetação, a um magistrado em substituição, desse mesmo lugar”.
O documento, assinado pelos advogados Tiago Rodrigues Bastos, Filipa Elias e João Gaspar Simões e a que a Lusa teve acesso, visa o Conselho Superior da Magistratura (CSM) e tem caráter urgente para a suspensão da eficácia destes atos administrativos do órgão de gestão e disciplina dos juízes, tendo sido distribuído nesta quarta-feira no STJ ao juiz conselheiro Manuel Capelo, conforme avançou primeiro o jornal ECO.
Em causa estão as decisões do CSM no âmbito do movimento judicial ordinário, efetivado este mês, que consagrou a promoção do juiz Ivo Rosa à Relação de Lisboa – embora suspensa devido ao processo disciplinar -, a afetação do lugar de Juiz 2 do TCIC a Artur Cordeiro, que está em comissão de serviço como presidente da Comarca de Lisboa, e, por fim, a substituição pelo juiz Pedro Santos Correia, um dos magistrados que entrou para o TCIC e que tem quatro anos de experiência (incluindo o período de formação no Centro de Estudos Judiciários).
“O CSM, em ato posterior, e por unanimidade, determinou que o Dr. Ivo Rosa, afinal, ficaria afeto ao TCIC. O Dr. Ivo Rosa não está, então, na Relação, como faria supor o ato administrativo publicado em Diário da República. Sucede, porém, que o TCIC é composto por 9 juízes, sendo que o Dr. Ivo Rosa não só não ficou no lugar de Juiz 2, lugar que ocupava, como não foi adstrito a outro dos 9 lugares que enformam o TCIC, que, em rigor, estão todos ocupados por outros magistrados”, pode ler-se na providência cautelar.
A defesa dos arguidos considera existir uma “afetação ‘sui generis’” e alega que o juiz Ivo Rosa “não está integrado em nenhum Tribunal, nos termos configurados pelas leis da organização judiciária”, apontando, assim, um paradoxo na argumentação do próprio CSM: “O Dr. Ivo Rosa está no TCIC, mas, sendo o TCIC o conjunto dos respetivos juízes, legalmente determinados (…), o Dr. Ivo Rosa não está no TCIC”.
Sublinhando que os arguidos não têm o direito de escolher do juiz responsável pela fase de instrução, a defesa realça, todavia, que há o direito de ter um juiz de instrução que “seja o resultado de uma escolha conforme com as regras constitucionais e legais”. Nesse sentido, notam a existência de “um procedimento ilegal” nesta instrução do caso BES/GES e invocam “um prejuízo irreparável ou, no mínimo, de dificílima reparação” com a substituição de juiz.
No entanto, a defesa esclarece que “a suspensão de eficácia que é requerida, tal como acima se anunciou, não é em relação a todo o movimento judicial ordinário de 2022”, mas apenas relativamente à “decisão respeitante ao lugar de Juiz 2 no TCIC e a forma como é interpretada e aplicada a suspensão da promoção do Dr. Ivo Rosa”, considerando que o magistrado que iniciou a instrução deste processo está agora num “limbo”.
“Os requerentes pretendem, no caso concreto, que o lugar de Juiz 2 seja mantido pelo Dr. Ivo Rosa, até que se resolva o processo disciplinar e, depois, a questão da promoção”, frisam os advogados dos arguidos suíços, continuando: “O processo mais mediático e complexo de Portugal beneficiará da continuação, sem sobressalto e alarme, quanto à legitimidade do decisor”.
Questionado pela Lusa, o CSM assegurou que “não foi notificado de qualquer providência cautelar que tenha sido instaurada, sendo certo que não comenta casos concretos quando estão sob a alçada de tribunais”.
Etienne Cadosch é acusado de 18 crimes (entre os quais associação criminosa, corrupção passiva no setor privado, burla qualificada, branqueamento, falsificação de documento, infidelidade e manipulação de mercado), enquanto Michel Creton responde por 17 crimes (associação criminosa, burla qualificada, branqueamento, falsificação de documento, infidelidade e manipulação de mercado).
O processo BES/GES contava inicialmente com 30 arguidos (23 pessoas e sete empresas), mas restam agora 26 arguidos, num total de 23 pessoas e três empresas.
Considerado um dos maiores processos da história da justiça portuguesa, este caso agrega no processo principal 242 inquéritos, que foram sendo apensados, e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro. Segundo o Ministério Público (MP), cuja acusação contabilizou cerca de quatro mil páginas, a derrocada do Grupo Espírito Santo (GES), em 2014, terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.